O que é feito do ouro que Portugal retirou do Brasil?

“Concordo que os portugueses repatriem todos os imigrantes brasileiros, mas que os devolvam juntamente com o ouro de Ouro Preto. Assim, fica tudo certo, ficamos quites.”

O que é feito do ouro que Portugal retirou do Brasil?

A colonização da América do Sul pelos europeus foi caracterizada pela abordagem truculenta aos povos nativos, a imposição da cultura e da religião europeias, bem como a retirada maciça dos recursos naturais que existiam em abundância no território americano. Nesse contexto, torna-se evidente que os países que passaram pela colonização foram subjugados – e continuam a sê-lo. Os diversos casos de xenofobia de portugueses contra brasileiros deixam este cenário claro.

Num destes episódios, o ex-ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, fez uma declaração num evento em Brasília, referindo-se a ofensas feitas no aeroporto do Porto, onde uma mulher gritou a uma brasileira “volta para a tua terra” e que os brasileiros estão “a invadir Portugal”. Na altura, Dino reagiu. “Concordo que os portugueses repatriem todos os imigrantes brasileiros, mas que os devolvam juntamente com o ouro de Ouro Preto. Assim, fica tudo certo, ficamos quites.”

Também Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, se viu envolvido numa polémica transatlântica, ao levantar a questão, numa conversa à porta fechada com jornalistas estrangeiros em Portugal, sobre a reparação que o País deve fazer aos povos da ex-colónias, que a extrema Direita considerou como “traição à Pátria”.

Somada às considerações de Marcelo, a declaração do antigo ministro sobre a devolução do ouro soma-se à discussão acerca de onde foi parar o metal precioso que Portugal retirou do Brasil.

Portugal e sua busca desenfreada por ouro

Não se sabe concretamente qual o volume de ouro do Brasil trazido para Portugal. Contudo, a discussão sobre a desvantagem brasileira e benefício português é relevante, mesmo que as épocas sejam distintas, uma vez que os efeitos humanos, sociais e ambientais são sentidos até aos dias de hoje no Brasil, e não na Europa, como aponta o historiador Leonardo Marques, professor de América colonial na Universidade Federal Fluminense, citado pela revista do país-irmão SoCientífica.

Vila Rica, atual Ouro Preto [Biblioteca Nacional]
Vila Rica, atual Ouro Preto [Biblioteca Nacional]
A exploração do ouro no Brasil começou num período crítico, marcado por uma crise económica grave que afetava Portugal, a Europa e o restante Mundo. A escassez de metais preciosos no mercado global agravou a situação, especialmente após a euforia das descobertas das minas de prata na América espanhola, que começavam a esgotar-se.

Portugal enfrentava outros desafios. Em 1640, a União Ibérica – a unificação das coroas espanhola e portuguesa – terminou e os holandeses tinham capturado vários entrepostos comerciais portugueses na Ásia. Ao mesmo tempo, a produção de açúcar nas Caraíbas, especialmente em Barbados, estava em ascensão, competindo diretamente com a produção açucareira do Brasil.

Neste cenário, a coroa portuguesa incentivou a busca por ouro no Brasil, o que começou a transformar profundamente o interior da colónia. Segundo Marques, há indícios de que “alguns colonos já exploravam o ouro anteriormente, mas foi apenas no final do século XVII que esta atividade se intensificou e se tornou amplamente conhecida”.

Dados do Departamento de Mineração dos Estados Unidos revelam que, no século XVIII, a produção de ouro nas Américas representava 85% da produção mundial.

No século XVII, a percentagem era de 66% e, no século XVI, apenas 39%. Este crescimento impressionante foi impulsionado principalmente por Minas Gerais, transformando o Brasil no maior fornecedor mundial de ouro. “Este salto é monumental e sem precedentes na História. O Brasil tornou-se, de longe, no principal distribuidor de ouro globalmente”, assinala Marques.

Reino Unido

A busca por ouro no Brasil mantém-se nos dias de hoje [Biblioteca Nacional]
A busca por ouro no Brasil mantém-se nos dias de hoje [Biblioteca Nacional]
Com base em documentos históricos, o ouro do Brasil retirado por Portugal ia, em grande parte, para o Reino Unido e para a África. Leonardo Marques explica que o Reino Unido “está no coração de uma transformação financeira radical no mundo”. “Por isso, há uma procura muito grande não só pela moeda em si, que vai circular e lubrificar as economias, mas também como um stock monetário para novos Bancos, o que vai dar segurança à Economia. Todo o sistema de crédito britânico está ancorado nisto e o motor é a mineração no Brasil.”

O diplomata português D. Luís da Cunha chegou a escrever que “estaremos sempre dependentes da Inglaterra, que tem Portugal pela melhor das suas colónias, pois dá-lhe o ouro e os diamantes que não produz”.

Diante das diversas transformações sociais e económicas, o historiador assinala que “muitos dos problemas atuais do Brasil são ainda consequência de uma lógica de exploração que deixou cicatrizes profundas e persistentes”.

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