Crianças vítimas de abuso sexual não devem ser sujeitas a repetidos depoimentos
Só em situações em que seja “indispensável à descoberta da verdade” deve ser repetido o depoimento de uma criança vítima de abuso sexual em sede de julgamento, defendeu hoje a Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago.
Só em situações em que seja “indispensável à descoberta da verdade” deve ser repetido o depoimento de uma criança vítima de abuso sexual em sede de julgamento, defendeu hoje a Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago. Na intervenção de encerramento do Seminário “Crianças Vítimas de Abuso Sexual: Conhecer Mais para Agir Melhor”, que hoje decorreu na sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, a PGR sublinhou a necessidade de defender os direitos das crianças vítimas, alertando para os perigos de revitimação, ao serem sujeitas a múltiplos depoimentos.
“Uma vertente a reclamar especial atenção é a substancial redução do número de vezes em que é criança é ouvida por pessoas distintas e em múltiplos contextos sobre o que vivenciou ao longo do ou dos processos instaurados, porventura, de diversa natureza”, disse Lucília gago.
A PGR recordou estudos realizados por psicólogos forenses, que apontavam para quase uma dezena de depoimentos, em média, a que uma criança vítima de violência sexual é sujeita, referindo que isto acontece “não obstante” alterações ao Código do Processo Penal que passaram a impor a tomada de declarações para memória futura de crianças vítimas.
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Reconheceu, ainda assim, uma “evolução positiva”, que é hoje “seguramente mais compatível com o superior interesse da criança vítima”, garantindo-se que “após a tomada de declarações para memória futura a sua audição em julgamento tende a acontecer apenas em situações muito particulares e excecionais”.
Lucília Gago referiu a necessidade de uma “justiça adaptada às crianças”, que lhes garanta o “direito de participação nos processos que lhe digam respeito”, incluindo o de serem ouvidas “em ambiente adequado”. “E a este propósito será de enfatizar que a condução da entrevista, mesmo quando presidida por magistrado não tem necessariamente que ser por ele diretamente realizada. À pessoa qualificada que acompanha a criança nas suas declarações, por norma um psicólogo ou um técnico de serviço social, deve ser conferida a possibilidade de participar ativamente, formulando ela própria as questões que lhe forem previamente transmitidas pelo magistrado, dando-lhes o conteúdo e a forma que melhor se adequa à idade e personalidade da criança em presença”, defendeu.
A PGR acrescentou que ao técnico “em qualquer circunstância” deve “ser sempre permitida a interação com a criança durante a audição por forma a facilitar a comunicação, a espontaneidade e a genuinidade das declarações”. Sobre a “adequação do espaço físico” em que as crianças são ouvidas, a PGR defendeu que deve “ser tornada realidade a possibilidade de os depoimentos de crianças vítimas e testemunhas decorrerem sempre em instalações especialmente concebidas e adaptadas às crianças e num ambiente a elas ajustado”.
E lembrando que há cerca de um ano a Assembleia da República aprovou uma recomendação ao Governo nesse sentido, disse que “importa reconhecer a existência de um longo caminho a percorrer em Portugal na senda da valorização da adequação do espaço e do modo de levar a efeito a audição da criança”.
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