O que acontece agora que Bolsonaro vai ser julgado por golpe de Estado

O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou por unanimidade a denúncia e constituiu o ex-presidente Jair Bolsonaro réu. O que acontece agora?

O que acontece agora que Bolsonaro vai ser julgado por golpe de Estado

Em 26 de março de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados por tentativa de golpe de Estado. Com uma decisão unânime, Bolsonaro e os outros denunciados tornaram-se réus.

A decisão tem caráter inédito. Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente e oficiais de alta patente das Forças Armadas tornam-se réus por crimes ligados a um golpe de Estado. Os réus fazem parte do que a acusação descreve como “Núcleo 1”, que abarca os principais membros do enredo golpista. Os núcleos foram estabelecidos pela PGR conforme os eixos de atuação dos denunciados.

Além de Bolsonaro, os réus (e também militares) que compõem o Núcleo 1 são o General Braga Netto, ministro e candidato a vice de Bolsonaro nas eleições de 2022; o General Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; o General Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa; o Almirante Almir Garnier, ex-Comandante da Marinha; e o Tenente-Coronel Mauro Cid, ex-Ajudante de Ordens de Bolsonaro, que se tornou delator.

Fazem ainda parte deste núcleo, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, além do deputado Federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).

A Denúncia da PGR

Em fevereiro, a PGR tinha denunciado estes agentes pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de património e organização criminosa armada. Somadas, as penas podem ultrapassar 30 anos de prisão.

Ao todo, 34 pessoas foram denunciadas. Além do “Núcleo 1”, os denunciados foram distribuídos noutros quatro núcleos, com base na investigação da Polícia Federal. O STF marcou a data do julgamento das denúncias de outros três núcleos, ao longo dos próximos dois meses.

A próxima denúncia a ser analisada pelo Tribunal, nos dias 8 e 9 de abril, diz respeito ao “Núcleo 3”. O “núcleo militar” terá sido responsável pelas ações táticas. É integrado por onze militares de alta patente do Exército, como os Generais Estevam Gaspar de Oliveira e Nilson Diniz Rodriguez, e o agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares.

O “Núcleo 2”, com julgamento marcado para 29 e 30 de abril, é composto por seis denunciados que terão sido responsáveis pela organização das ações. Estão, entre os agentes, Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal; o General Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência; o Coronel Marcelo Câmara e Filipe Martins, ex-assessores de Bolsonaro.

Os acusados de coordenar as iniciativas de desinformação fazem parte do “Núcleo 4”, com julgamento marcado para 6 e 7 de maio. O capitão Ailton Barros, o Major Ângelo Denicoli e Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, integram este núcleo.

O único que não tem data de julgamento marcada é núcleo relativo ao desdobramento da desinformação. O único participante do núcleo é Paulo Figueiredo Filho, neto do ex-Presidente e ditador João Baptista Figueiredo. Figueiredo, que vive nos EUA, foi notificado da denúncia, mas não apresentou defesa.

O julgamento da denúncia

Ao longo das sessões, as alegações do relator e dos outros membros da Primeira Turma foram didáticas. Na resposta a ataques recentes contra o Supremo, o relator afirmou que o Judiciário não “vai intimidar-se diante das milícias digitais, sejam nacionais ou estrangeiras, porque o Brasil é um país soberano”.

O ministro Alexandre de Moraes votou pelo acolhimento da denúncia contra os oito acusados. O ministro salientou que há evidências satisfatórias sobre a organização criminosa e que Bolsonaro liderou a estrutura, fazendo uso de desinformação sobre o processo eleitoral para instigar o golpe.

Segundo o relator, a organização agiu de forma coordenada até janeiro de 2023, procurando abalar o Estado Democrático de Direito. Ao exibir vídeos da invasão aos Três Poderes em 8 de janeiro, o ministro afirmou categoricamente que “não houve um domingo no parque”.

Os demais membros da Turma também votaram pelo acolhimento da denúncia. Os ministros também salientaram que as defesas não negaram a tentativa de golpe, mas focaram-se em sustentar a inocência do clientes. Todos os ministros repudiaram atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito e as instituições brasileiras.

Próximos passos

Agora, com o acolhimento da denúncia, a Primeira Turma deverá marcar as datas das audiências e dos depoimentos das testemunhas e dos réus, e analisar as provas produzidas ao longo do processo.

Após estas fases, a Turma irá convocar os réus e o Ministério Público para as alegações finais, para decidir então sobre uma possível condenação. Caso os réus sejam condenados, começarão a cumprir as sentenças só após o final dos recursos.

A expectativa é a de que o processo se desenvolva ao longo dos próximos meses. Em razão das eleições de 2026, também há certa expectativa de que o processo seja concluído ainda neste ano.

Mais um exemplo brasileiro

A decisão pode ser considerada “mais um exemplo que o Brasil dá ao mundo”, considera o Felipe Tirado, PhD de Direito da Faculdade Real de Direito. “O país é um modelo de eleições seguras e eficientes. As iniciativas judiciais de combate à desinformação têm-se tornado referência para outros países.”

Paradoxalmente, a imagem internacional do Brasil como modelo de eleições “reforçou-se ainda mais quando o presidente dos EUA, Donald Trump, citou o Brasil como exemplo de correção por causa da identificação biométrica dos eleitores”.

As instituições nacionais já tinham respondido à insurreição de 8 de janeiro de 2023 “de forma exemplar”, diz Filite Tirado, doutorando. Com esta “decisão inédita”, que tornou um ex-presidente e militares de alta patente réus por tentativa de golpe de Estado, “o sistema de justiça reforça o seu papel fundamental na defesa da Democracia”.

Já neste ano, os brasileiros comemoraram a primeira vitória de um filme nos Óscares, durante o Carnaval. O prémio de melhor filme internacional para Ainda Estou Aqui “não poderia ter sido mais simbólico”.

“Há uma série de paralelos entre o filme e o caso. Um deles foi mencionado pelo ministro Flávio Dino. Durante o voto, Dino sublinhou que, apesar de não terem havido mortes no dia do golpe militar de 1964, morreram milhares durante o regime, para então afirmar «golpe de Estado mata», lembrando aos presentes o que poderia ter acontecido caso a tentativa fosse bem sucedida.”

Outra semelhança que “deve ser reforçada é a da impunidade”. “No fim da ditadura, o regime militar usou de requerimentos legítimos de amnistia para aprovar uma lei que garantiu a impunidade de perpetradores de crimes contra a Humanidade ao longo de mais de 40 anos. Agora, vemos uma série de indivíduos que apoiaram a ditadura e se opuseram às suas vítimas instrumentalizarem requerimentos que criticavam.

“Assim, o caso é também uma oportunidade para o país confrontar o seu passado de impunidade seletiva. A decisão do STF é mais um passo fundamental nessa direção”, conclui Felipe Tirado, PhD de Direito da Faculdade Real de Direito.

The Conversation

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