Presidente do Supremo diz que Justiça não precisa de reformas estruturais, mas pontuais

O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano, defendeu hoje que o setor precisa de reformas urgentes, não estruturais, mas apenas pontuais, e apelou para a revisão do papel deste tribunal enquanto “instância de recurso normal”.

Presidente do Supremo diz que Justiça não precisa de reformas estruturais, mas pontuais

No discurso da sua tomada de posse, que decorreu no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, o juiz conselheiro João Cura Mariano afirmou que “não é necessária uma reforma estrutural do poder judicial ou das relações de equilíbrio que este mantém com os restantes poderes do Estado”, considerando-o “uma harmoniosa construção constitucional que deve permanecer incólume como garante seguro de um Estado de Direito Democrático que queremos salvaguardar”.

“A urgência reside antes num conjunto de medidas setoriais e pontuais, muitas delas nevrálgicas, que permitam que o sistema judicial responda eficazmente, o que também significa, atempadamente, a todas as novas exigências e desafios”, defendeu o novo presidente do STJ, na cerimónia que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice.

Para Cura Mariano, “no topo das preocupações” está a revisão da legislação que regula a entrada nas magistraturas, referindo que “não se compreende” que o anteprojeto de revisão legislativa já aprovado pelo Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários “não se tenha convertido numa proposta de lei e dado entrada na Assembleia da República”, alertando para o crescente desinteresse pela profissão e para o “ponto de rutura” já atingido, com vagas por preencher “por não existirem candidatos com as condições mínimas”.

Sobre os chamados ‘megaprocessos’, Cura Mariano lembrou que já estão identificadas as alterações à lei “que contribuiriam para evitar o protelamento excessivo do desfecho destes processos e que têm subjacente uma finalidade de simplificação e de agilização processuais, sem que se sacrifique o núcleo essencial das garantias de defesa dos arguidos”, que devem ser acompanhadas por “medidas gestionárias robustas”, afetando mais meios humanos e tecnológicos “proporcionais à complexidade dos casos”.

Cura Mariano disse que estes processos “têm distorcido a perceção pública acerca da eficácia dos tribunais judiciais” e mesmo reconhecendo que a sua existência “constitui uma inevitabilidade decorrente do surgimento de uma criminalidade económico-financeira sofisticada” apontou que “o seu efeito nefasto na erosão da confiança dos cidadãos no sistema de Justiça compromete todos os que intervêm na cadeia da criação e aplicação de leis”.

“Mas as reformas na justiça não competem apenas aos outros”, alertou o juiz conselheiro, que apelou para decisões nos tribunais “estruturadas, fundamentadas e redigidas de uma forma clara, e que as mesmas, sempre que tenham ou devam ter repercussão pública, sejam comunicadas de modo a que a generalidade dos cidadãos as entendam”.

“Não se espere credibilidade sem transparência. Este é um caminho que nos cabe a nós, juízes, fazer. Temos que abandonar o estilo barroco das nossas decisões, a que nos conduziu uma cultura judiciária pretensiosa, e procurar, de uma forma simples e clara, sem quebra do rigor jurídico, aplicar o direito ao caso concreto de uma forma justa”, argumentou Cura Mariano.

O presidente do STJ assinalou que toma posse num momento em que a Justiça “volta a estar na crista da onda discursiva, sob o signo da crise e da desconfiança”, um fenómeno cíclico em 50 anos de democracia.

“Estas crises de credibilidade são habitualmente desencadeadas por epifenómenos que funcionam como detonadores de um alarme social, abalando a confiança em todo o sistema de justiça, apesar de circunscritos a eventos processuais circunstanciais e muitas vezes até estranhos ao funcionamento do aparelho judicial”, disse.

Sobre o tribunal superior a que desde hoje passa a presidir, Cura Mariano frisou a constante jubilação de juízes dos quadros do STJ, explicada pela idade com que os magistrados ascendem a este patamar, levando a que a permanência dos juízes nesta instância seja “muito breve”.

“É uma realidade com tendência a agravar-se, até ao limite do caricato, se nada for feito. Corremos o risco previsível de o STJ ser um Tribunal onde a quem ele ascende vem apenas entregar o seu pedido de jubilação”, alertou o juiz conselheiro, acrescentando que o rejuvenescimento dos quadros do tribunal só acontecerá a breve prazo “com uma alteração legislativa às regras de acesso ao STJ que constam do Estatuto dos Magistrados Judiciais e, por isso, exigem a intervenção da Assembleia da República”.

Sobre o próprio papel do tribunal, Cura Mariano entende que é necessário “modificar o paradigma”.

“Este não pode continuar a funcionar como uma instância de recurso normal, num sistema de tripla jurisdição. O tempo exigente das sociedades modernas não admite que a resolução de um conflito, por regra, aguarde a análise e a pronúncia de três instâncias distintas. O STJ deve, por isso, limitar a sua ação à relevantíssima tarefa de uniformização da jurisprudência e a emitir a última palavra nos casos em que a decisão revista um excecional relevo jurídico ou social”, defendeu.

No discurso de posse deixou ainda elogios ao presidente cessante, o conselheiro Henrique Araújo, a quem atribuiu um papel “fundamental na defesa do prestígio” do STJ, e de quem recordou os alertas permanentes para a necessidade de medidas para o bom funcionamento da Justiça, que os poderes executivo e legislativo deixaram sem “o devido acolhimento”.

IMA/FC // JMR

By Impala News / Lusa

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