Olena Yahupova foi presa, torturada, libertada e agora denuncia as “atrocidades russas”
Olena Yahupova foi presa e torturada sem saber porquê e acabou, seis meses depois, por ser libertada sem saber como. Agora, a ucraniana de 52 anos denuncia pelo mundo a forma como os militares russos lhe retiraram a alma.

Em entrevista em Lisboa, onde participou num debate sobre o conflito russo-ucraniano “Unseen Civilians – A Global Call For Peace” (“Civis Invisíveis – Um Apelo Global à Paz”), Olena Yahupova narrou o que sofreu uma ex-prisioneira nas mãos dos militares russos, de uma unidade de soldados chechenos e dos serviços secretos do FSB.
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Três anos depois da invasão russa da Ucrânia, que se assinalou no debate organizado conjuntamente pela embaixada ucraniana em Lisboa e pela Nova SBE, Yahupova diz que não sabe o que pensar sobre o próprio ataque russo de 2022 e do que esperar da “ridícula proposta” de Donald Trump, o novo Presidente dos Estados Unidos, para a resolução do conflito. “Não tenho muito sobre o que pensar relativamente a este tema. Só consigo falar sobre aquilo que vivi, aquilo que experimentei, aquilo que vi. E o que vi no dia 27 de fevereiro [de 2022] foi militares com as colunas de tanques marcadas com a letra Z a entrarem na minha região, na minha casa”, frisou.
“Prenderam pessoas, impuseram-lhes trabalhos forçados e mataram”
“Ocuparam a minha terra, prenderam pessoas, impuseram-lhes trabalhos forçados e mataram. Não tenho muito sobre o que dizer, porque parece que fui eu que ataquei, de acordo com o que Trump diz. E que fui eu quem atacou esse outro país e não eu que fui atacada”, ironizou Yahupova, natural de Kiev e que habitava nos arredores da central nuclear de Zaporijia, no leste do país. A ex-prisioneira não se coíbe de denunciar aquilo a que chama de “genocídio russo”, onde os russos nada fizeram nos territórios ocupados a não ser destruir e matar. Primeiro, explicou, vieram os representantes do FSB russo, ao lado de representantes da “pretensa chamada República Popular de Donetsk”, que a prenderam “sem qualquer justificação”, “pois não tinham nada de que me acusar e, por isso, torturaram-me, tal como fizeram à quase totalidade dos prisioneiros que fizeram”.
“Usavam vários tipos de pistola e ainda me torturavam com choques elétricos”
As torturas foram executadas numa pequena esquadra onde se encontravam cerca de duas dezenas de prisioneiros e durante quatro meses, os “carcereiros” inventavam acusações para as manter detidas, acrescentou Yahupova, que descreveu, depois, num só fôlego, o que lhe fizeram. “Sentaram-me numa cadeira, ataram as minhas mãos com fita-cola e obrigaram-me a juntar as mãos aos pés, atando também com fita-cola, deixando-me numa posição inclinada. Enchiam uma garrafa de água de dois litros e deixavam-nas cair na nuca de manhã, à tarde e à noite. Fiquei com duas feridas grandes na nuca e as minhas costas, quando me endireitavam, ficavam cobertas de sangue. Também me asfixiavam com um saco de plástico na cabeça, impedindo-me de respirar, às vezes tapando-me o nariz. Também gostavam imenso de fazer a imitação de um tiro, como se fosse uma ameaça de que me fossem matar. Usavam vários tipos de pistola, só para assustar, e ainda me torturavam com choques elétricos”, narrou.
“Não houve uma única mulher que não tivesse sido violada”
Segundo Yahupova, a dada altura ameaçavam entregar as mulheres detidas aos soldados do batalhão Kadirov, pertencentes a uma unidade militar chechena, para serem violadas e utilizadas como mão de obra escrava, como para fazer as refeições ou lavar roupa. “Creio que não houve uma única mulher que não tivesse sido violada”. Depois da esquadra, passaram mais dois meses a escavar trincheiras e a construir os ‘bunkers’ para os soldados russos, enquanto, pelo meio, eram sucessivamente violadas, “uma coisa mais do que normal”.
“Tiraram-me a casa, o trabalho, a memória e as fotografias dos meus filhos dos últimos 20 anos
“Eu pensava que a Rússia era um país civilizado, mas depois de ver e sofrer com isto tudo, não posso dizer isso. Eles não são civilizados”, sublinhou Yahupova, mãe de três filhos, todos eles a salvo, e cujo marido combate no exército ucraniano desde 2018, quatro anos depois da anexação russa da Ucrânia. Foi libertada seis meses mais tarde sem que saiba a razão. Vagueou pela Rússia e conseguiu chegar, a pé, com mais 18 prisioneiros, entre homens e mulheres, à fronteira com a Estónia, de onde desceram à Letónia e Lituânia, tendo entrado na Polónia, saindo do outro lado para chegar novamente a Zaporijia, de onde voltaria a sair através do território polaco.
“Só sei que, dos 18, chegámos quatro à Ucrânia. Não sei o que aconteceu aos restantes. Nem sei se estão vivas, muitas delas se calhar continuam a esconder-se nas zonas ocupadas, a esconder-se em casas abandonadas”, sublinhou, adiantando que se juntou a uma associação que a ajuda a denunciar as “atrocidades russas”. Yahupova diz que sim, que a Ucrânia vai ganhar a guerra: “Quero acreditar nisso”. “Tiraram-me a casa, o trabalho, a memória, os computadores, os álbuns de fotografias dos meus filhos dos últimos 20 anos. Ou seja, não tenho nada. Fiquei sem nada. Tiraram-me tudo de tal maneira que quase me tiraram a própria vida”, concluiu.
Texto: José Sousa Dias;
Foto: Tiago Petinga / Lusa
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