Na Suíça, muitos votaram pela mudança, mas outros temem pela Democracia

O Chega obteve na Suíça uma das vitórias mais expressivas nas eleições legislativas, contando com o voto de muitos que entendem que chegou “a altura de mudar”, mas suscitando também receio entre aqueles que lamentam o esquecimento das “conquistas de Abril”.

Na Suíça, muitos votaram pela mudança, mas outros temem pela Democracia

No dia seguinte à divulgação dos resultados eleitorais nos círculos da emigração — que elegeram dois deputados do Chega, fazendo com que esta passe a ser a segunda força política na Assembleia da República, com 60 assentos, à frente do PS, com 58 -, a Lusa ouviu, em Genebra, dois eleitores com sentido de voto distintos e sentimentos antagónicos depois da expressiva vitória do partido de André Ventura na Suíça, com 45,72% dos votos, muito à frente da coligação PSD/CDS (13,67%) e do PS (8,69%).

Num dos muitos pontos de encontro dos portugueses em Genebra, a Casa do Benfica desta cidade, António Botelho revela à Lusa que foi um dos 24.533 eleitores portugueses na Suíça que votou no Chega, por entender que “está na altura de mudar”.

“Há muito descontentamento. Por que não dar oportunidade a alguém com ideias novas? Se as cumpre, não sei, mas há que lhe dar essa oportunidade”, diz, referindo-se a André Ventura.

António Botelho admite que votou no Chega também “um bocado por sentimento de revolta, à conta do que têm feito os governos quer do PS, quer do PSD”, queixando-se de que os emigrantes se sentem esquecidos. “O pessoal está completamente saturado”, diz.

Questionado sobre como, enquanto emigrante, vota num partido com um discurso anti-imigração, este eleitor do Chega rejeita esse rótulo: “Não acho que seja um partido contra a imigração. É sim contra a imigração descontrolada. E aqui é controlada, porque nós aqui trabalhamos”, argumenta.

Sendo agora o Chega a principal força da oposição no parlamento português, António Botelho considera “um erro se marginalizarem” o partido de Ventura e defende que “o PSD deve dialogar com o Chega tal como dialoga com o PS”.

Num café português não muito longe da Casa do Benfica, a reportagem da Lusa entrevistou um membro do comité da Associação 25 de Abril (A25A) de Genebra, Ivane Domingues, que lamenta o resultado alcançado por um partido que renega as conquistas da revolução de 1974 e parece saudosista dos tempos do Estado Novo, diz.

“O Chega aqui foi muito eficaz, teve muita facilidade em chegar às pessoas, sobretudos porque eles, ou ele, já que o partido é André Ventura, agitam como bandeiras preconceitos estruturais e sem qualquer problema em usar argumentos dissociados da realidade, como é o caso do discurso sobre os imigrantes receberem subsídios e o aumento da criminalidade, e é muito difícil combater isso”, diz.

Apontando que dedicou tempo a ler o programa eleitoral do Chega, constatando a série de medidas “absolutamente irrealistas, designadamente ao nível do Orçamento de Estado” nele contidas, Ivane Rodrigues considera que “um dos grandes problemas” é o que classifica como a atual “dieta das notícias”, muitas vezes servidas pelas redes sociais e “consumida” pelas pessoas sem qualquer análise crítica.

“O maior garante da democracia é a educação, para que as pessoas tomem decisões informadas. Infelizmente, como se vê nas campanhas eleitorais, o debate político em Portugal entrou em falência”, diz, lamentando também que, entre as gerações mais jovens, “já filhos de abril”, não haja uma “noção do que era a realidade portuguesa antes do 25 de abril”.

Nos muitos eventos realizados pela A25A — dedicada à preservação da memória da revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974, bem como do Portugal sob ditadura, da oposição ao regime e da emigração portuguesa -, “é notório que as pessoas mais jovens não têm noção do que era Portugal há 50 anos” e não entendem “as conquistas de abril”, diz.

“As pessoas parecem não saber que Portugal estava na cauda da Europa em muitos indicadores, as pessoas viviam miseravelmente e não havia praticamente mobilidade social […] O Chega causa-me apreensão porque surge como um partido antissistémico e com um discurso de que quer acabar com a corrupção dos últimos 50 anos. Mas o quê, antes é que era bom?”, questiona sem esconder a indignação.

Certo, admite, é que o Chega conseguiu um efeito mobilizador, atraindo até muitos emigrantes que decidiram votar pela primeira vez, num país onde, assinala Ivane Domingues, os portugueses formam a terceira maior comunidade estrangeira (a seguir à italiana e à alemã) mas também aquela que regista menor participação cívica.

“O Chega conseguiu atrair pessoas que não se envolviam na vida política e não votavam até agora. Se conseguisse, e conseguiu, tirar as pessoas da abstenção para que houvesse um debate político mais construtivo em Portugal… Mas não, é tudo em redor de questões menores, ‘fait-divers’ e desinformação. O problema de Portugal não são os ciganos nem os imigrantes”, completa.

Embora admita que, enquanto emigrante português, até sente “alguma vergonha com o resultado obtido pela extrema-direita” num país que sempre foi de emigração, assegura, no entanto, que a associação da qual é membro “vai continuar a mostrar as conquistas de abril e o que era a vida no Estado Novo”, com esperança de chegar aos mais jovens, mas admitindo que tal não é uma tarefa fácil, pois cada vez mais as novas gerações parecem estar “numa bolha” a consumir a tal “dieta de notícias” muito pouco aconselhável.

*** André Campos, enviado da agência Lusa ***

ACC // MLL

By Impala News / Lusa

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