Quem era o presidente do Irão Ebrahim Raisi, o ‘Carniceiro de Teerão’
O presidente do Irão, Ebrahim Raisi, dado como morto após a queda do helicóptero em que se encontrava, era um leal consumado, cuja morte será um duro golpe para a liderança conservadora do país. O que acontece agora?
O presidente do Irão, Ebrahim Raisi, que foi dado como morto após a queda do helicóptero em que se encontrava em 19 de maio de 2024, era um leal consumado, cuja morte será um duro golpe para a liderança conservadora do país.
Enquanto as equipas de busca e salvamento – dificultadas por chuva, nevoeiro, florestas e montanhas – procuravam destroços, o líder supremo do Irão, o aiatolá Ali Khamenei, disse que a nação “deveria rezar” por Raisi.
Como especialista em política interna e política externa do Irão, Eric Lobo acredita que “a preocupação em Teerão pode ir além da potencial tragédia humana do acidente”. “A mudança por ela forçada terá implicações importantes para um Estado iraniano consumido pelo caos interno e pela confrontação regional e internacional“, assegura.
Quem era o presidente do Irão Ebrahim Raisi?
Desde a Revolução Iraniana de 1979, Raisi atuou como um ‘apparatchik’ assíduo da República Islâmica e um protegido proeminente de Khamenei, que, como líder supremo, detém o poder final na República Islâmica.
Antes de tornar-se presidente, em 2021, Raisi ocupou vários cargos judiciários sob a alçada do líder supremo. Como procurador, e no final da guerra do Irão contra o Iraque em 1988, fez parte da comissão que condenou milhares de presos políticos à morte.
As execuções valeram-lhe a alcunha de ‘Carniceiro de Teerão’ e, posteriormente, sujeitaram-no a sanções dos Estados Unidos da América e à condenação das Nações Unidas e de diversas organizações internacionais de direitos humanos. Raisi atuava na Assembleia de Peritos desde 2006 no órgão que nomeia e fiscaliza o líder supremo.
Apesar de visto como alguém sem carisma nem eloquência, “pensava-se que Raisi, de 63 anos, estava a ser preparado para suceder Khamenei, de 85 anos, como líder supremo”.
Crise de legitimidade e de um caos social
Internamente, “a presidência de Raisi foi tanto a causa como a consequência de uma crise de legitimidade e de um caos social para o regime”. Venceu de forma polémica as eleições presidenciais de 2021, após um grande número de desqualificações de candidatos pelo Conselho Guardião, que examina os candidatos, e uma participação eleitoral historicamente baixa, de menos de 50%.
Para apaziguar a sua base conservadora, Raisi e o seu governo “revigoraram a polícia da moralidade e reimpuseram restrições religiosas à sociedade”, assinala Eric Lobo. Esta política levou aos protestos Mulheres, Vida, Liberdade desencadeados pela morte sob custódia policial de Mahsa Amini, em 2022. As manifestações provaram ser as maiores e mais longas nos quase 50 anos de história da República Islâmica.
Provocaram igualmente “uma repressão estatal sem precedentes”, com mais de 500 manifestantes mortos e centenas de outros feridos, desaparecidos e detidos. Ao longo dos protestos, Raisi demonstrou a lealdade ao líder supremo e às elites conservadoras, redobrando as restrições e a repressão.
Entretanto, sob a liderança de Raisi, a economia do Irão continuou a sofrer devido à “combinação de má gestão governamental e corrupção, juntamente com as sanções dos EUA que se intensificaram em resposta à repressão interna de Teerão e às provocações contra o exterior”.
Confronto sobre reaproximação
A turbulência interna sob a presidência de Raisi foi acompanhada por mudanças no papel regional e internacional do Irão. Como líder supremo, “Khamenei tem a palavra final sobre a política externa, mas Raisi presidiu a um Estado que continuou no caminho do confronto com os seus adversários, nomeadamente os EUA e Israel”.
“Por opção ou por necessidade percebida, Teerão afastou-se ainda mais de qualquer ideia de aproximação com o Ocidente”. “Confrontado com o aumento das sanções dos EUA, o Irão – sob o comando de Raisi – tem-se mostrado relutante em relançar o acordo nuclear. Em vez disso, aumentou o enriquecimento de urânio, bloqueou os inspetores internacionais e tornou-se num Estado no limiar nuclear”, descreve Lobo.
Raisi deu ainda continuidade à política de ‘Olhar para o Leste’ do seu antecessor, Hassan Rouhani e “fomentou uma maior aproximação à China”. Pequim, por sua vez, “ofereceu uma tábua de salvação económica, ao importar petróleo iraniano, e mediou um acordo diplomático entre Irão e Arábia Saudita” em Março de 2023.
Entretanto, sob a presidência de Raisi, o Irão continuou a servir como aliado e financiador de conflitos anti-EUA e anti-Ocidente, fornecendo drones de combate à Rússia para utilização na Ucrânia e entregando armas a vários representantes regionais no Médio Oriente.
Desde que a guerra em Gaza começou, em 7 de Outubro de 2023, o Irão, sob o comando de Khamenei e Raisi, tem mantido um equilíbrio delicado entre permitir que os seus representantes regionais combatam Israel e os Estados Unidos da América, “evitando ao mesmo tempo um confronto direto com ambos os países, inimigos convencionalmente superiores.
Este equilíbrio “foi momentaneamente perturbado quando a República Islâmica atacou diretamente Israel com drones e mísseis pela primeira vez na história, em Abril”, em retaliação a um ataque ao consulado iraniano em Damasco.
Embora não seja diretamente responsável pela política externa, Raisi foi um apoiante fundamental do regime iraniano, uma vez que este tem procurado distanciar-se ainda mais da ordem internacional estabelecida e procurado alianças com países igualmente antagónicos ao Ocidente.
Helicóptero despenhou-se perto da fronteira iraniana com o Azerbaijão
No momento da queda do helicóptero, Raisi regressava de uma cerimónia de inauguração da barragem construída no vizinho Azerbaijão. “A cerimónia pretendia, provavelmente, que o Irão caísse nas boas graças do Azerbaijão, tendo anteriormente assumido uma posição ambígua, se não contraditória, no conflito de Nagorno-Karabakh – que terminou com uma vitória convincente do Azerbaijão“, no final de 2023, suspeita Eric Lobo.
O que uma mudança de presidente pode significar
Em Raisi, o Líder Supremo Khamenei tinha um leal de longa data, membro do regime e um potencial sucessor. Segundo a constituição iraniana, a morte de um presidente significa na nomeação automática do primeiro vice-presidente, que passa de imediato a presidente interino. Neste caso, “Mohammad Mokhber, político muito semelhante a Raisi e membro proeminente da equipa do Irão que negocia acordos de armas com Moscovo, já exerfe essas funções.
O Irão terá entretanto de realizar eleições presidenciais dentro de 50 dias – que estão já marcadas para 28 de junho. “Resta saber a quem o líder supremo acenará como futuro presidente e sucessor, sendo quase certo que os conservadores de Teerão continuarão no Poder, dada a pressão interna e externa que enfrentam”, suspeita Lobo.
A nível interno, “poderá assumir a forma de maior repressão estatal e de manipulação eleitoral”. A nível regional e internacional, “acredito que isso poderá significar o estabelecimento de laços mais fortes com aliados emergentes e a prossecução de um confronto calculado contra os adversários tradicionais”, conclui.
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