Ativistas exigem políticas públicas para habitações a preços acessíveis
Três dezenas de ativistas protestaram hoje em frente ao Ministério das Infraestruturas e Habitação, em Lisboa, contra os despejos pelo Estado e para exigir políticas públicas efetivas que assegurem às famílias habitação digna a preços acessíveis.
Segundo Maria João Costa, da Habita, uma das associações promotoras, os rendimentos das famílias estão a baixar e “as rendas, fruto de políticas do Estado, foram subindo e estão inacessíveis”, sem existirem “propostas políticas concretas para resolver isso”.
A ativista criticou o Estado por despejar as pessoas sem soluções de habitação e que ocuparam habitações públicas desocupadas há anos, com grande aparato policial, “como se estas pessoas fossem criminosas”.
“Criminoso é deixar casas vazias quando há tantas pessoas que não conseguem ter uma casa. Portanto, esta é a primeira coisa. Os despejos pelo Estado têm de parar. É um escândalo enorme, a nosso ver”, disse.
Maria João Costa salientou que há no país 120 mil casas vazias, 48.000 das quais em Lisboa, muitas delas públicas, e considerou que as entidades têm de se organizar “para propor soluções para as pessoas conseguirem viver em algum lado, uma vez que não é uma opção não viverem em lado nenhum”.
“O Estado tem que as disponibilizar de alguma maneira para as famílias que efetivamente precisam”, afirmou, defendendo que é preciso “que a sociedade compreenda que o problema de não ter uma casa não é daquela família que não consegue ter casa, mas um problema” de todos.
José Rodrigues, 72 anos, reformado, habitava com a mãe há 20 anos num prédio do Ministério das Finanças mas, assim que esta faleceu, recebeu imediatamente uma ordem de despejo. O prédio está a ser convertido numa residencial para estudantes e José Rodrigues terá de sair até 31 deste mês.
“De facto, não é essa a questão principal. A questão é a fragilidade com que eu tenho, aos 72 anos, reformado, de transportar tudo para uma garagem. Provavelmente vou viver para lá. Não tenho outra capacidade. Por outro lado, o próprio Ministério das Finanças é proprietário de vários prédios em Lisboa e alguns desocupados, mas não propôs solução nenhuma. É esta a minha situação”, disse, em declarações à Lusa.
José já se inscreveu em todos os concursos de habitação da Câmara de Lisboa, mas “está tudo atrasado”, porque o tempo das instituições não corresponde às necessidades de quem se vê na perspetiva de morar, daqui a menos de um mês, numa garagem que também vai ser armazém de tudo o que tem.
“Há uma imensidão, um universo de pessoas como eu, frágeis, e a única solução é uma casa da câmara, mas que não estou a ver uma solução”, acrescentou.
Jerusa Laureano foi despejada em Loures há mais de um ano e desde então vive com o filho mais velho, que entretanto alcançou a maioridade, num centro de acolhimento em Carnide, Lisboa.
“Éramos cinco famílias, fomos despejados na altura da pandemia [de covid-19] e fomos acolhidos pela Segurança Social. As outras famílias foram alojadas e eu e o meu filho mais velho, que entretanto ficou maior de idade, continuámos num centro de acolhimento e lá continuamos até hoje. Sem nenhuma resposta, sem nada”, disse.
Jerusa trabalha, ganha o salário mínimo, mas não consegue pagar uma renda, porque, tal como estava escrito num dos cartazes exibidos pelos manifestantes, foi obrigada a escolher o pão, e a deixar para trás o direito à habitação.
“O que eu quero é ter uma casa em que eu possa pagar a renda. Que eu consiga pagar. Não vou procurar uma casa para depois eu começar a pagar e depois não conseguir e o senhorio me despejar novamente”, disse.
Durante a concentração, Mário Tomé, o eterno “major” do Movimento das Forças Armadas, fundador da União Democrática Popular (UDP), antigo deputado, pegou no megafone e começou por se apresentar como um dos homens que fez o 25 de abril de 1974, altura em que a habitação para todos foi inscrita como direito constitucional, mas que ainda não se cumpriu.
“Estas lutas são fundamentais. Por enquanto, começam com pequenas gotas, mas podem-se transformar num grande caudal. E, portanto, acho que a reivindicação imediata, isto é o que eu penso, é a proibição dos despejos, proibição dos despedimentos, aumento dos salários”, defendeu.
A tribuna de hoje foi “o primeiro evento público de um movimento nacional contra os despejos e pelo direito a uma casa digna”, segundo os organizadores, as associações Habita, Stop Despejos e Habitação Hoje. O próximo realiza-se no sábado à tarde, no Porto.
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