África do Sul vai pela primeira vez a eleições sem a memória do ‘apartheid’

Pela primeira vez em trinta anos, a África do Sul vai a eleições com uma população maioritariamente jovem, sem memória do ‘apartheid’, da luta de Mandela pela liberdade ou da ascensão ao poder do seu antigo movimento nacionalista, hoje em declínio.

África do Sul vai pela primeira vez a eleições sem a memória do 'apartheid'

“Três décadas após o fim do apartheid, o Congresso Nacional Africano (ANC) tenta sobreviver à sua liquidação política”, consideraram os analistas Adriaan Basson e Qaanitah Hunter, a propósito das eleições da próxima quarta-feira.

Na ótica do académico Dominic Maphaka, da Universidade de Noroeste, “a maioria dos jovens, que no passado mostraram uma apatia política para votar, e sendo o grupo demográfico que determinará o resultado destas eleições, irá votar no afastamento do ANC do poder”.

Em 1994, o antigo movimento nacionalista de libertação, de orientação marxista-leninista, liderado por Mandela, foi eleito com 62,65% dos votos, formando um Governo de unidade nacional, segundo a Constituição interina à época, contando ainda com uma “Aliança Tripartida” formada desde 1990, após a libertação de Mandela, com o Partido Comunista da África do Sul (SACP) e a Confederação Sindical da África do Sul (COSATU).

Nos primeiros anos de democracia sob o Governo de Unidade Nacional (1994-1999), chefiado por Mandela, e depois com a administração do seu sucessor Thabo Mbeki (1999-2008), a África do Sul registou avanços económicos e sociais.

Todavia, o ANC entrou em declínio em 2014, atingindo um mínimo de 57,5% em 2019.

Segundo Basson e Hunter, numa obra publicada sobre a transição democrática, o desempenho do ANC em três décadas de democracia é idêntico ao de outros movimentos de libertação na região Austral, que após décadas no poder não conseguiram fazer a transição para “partidos governantes funcionais”, destacando a Zâmbia, onde o primeiro chefe de Estado, Kenneth Kaunda, foi afastado após 27 anos no poder pelo líder sindical Frederick Chiluba, em 1991, e ainda o vizinho Zimbabué, onde Robert Mugabe foi deposto em 2017 por um golpe de Estado do seu partido, após uma ditadura de 37 anos no poder.

Na África do Sul, as sondagens têm mostrado consistentemente que o ANC não obterá mais de 50% dos votos necessários para formar um Governo de maioria após as eleições nacionais e provinciais de quarta-feira.

O ANC detém atualmente 230 dos 400 assentos parlamentares (57,50%), enquanto o Aliança Democrática (DA), principal partido na oposição, e os Combatentes da Liberdade Económica (EFF), de esquerda radical, têm 84 e 44 lugares, respetivamente.

O voto de “desilusão” para com o ANC, especialmente entre os jovens dos 15-34 anos, que enfrentam uma taxa de desemprego na ordem dos 45,5%, é apontado como fator “decisivo” para o futuro do país após 29 de maio.

A população sul-africana aumentou de 51,7 milhões de pessoas em 2011 para 62 milhões em 2022, segundo o censo populacional realizado nesse ano.

No campo económico, dados oficias indicam que a África do Sul, que registou um crescimento do PIB de 1,9%, em 2022, confronta-se com uma taxa de desemprego de 32,9% desde o primeiro trimestre de 2024, um dos principais temas eleitorais, a par da violência de género e da expropriação sem compensação da propriedade privada.

Atualmente cerca de 28 milhões de pessoas recebem subsídios sociais do Governo, e a sociedade sul-africana enfrenta também níveis de corrupção pública endémica, elevada pobreza, violência, e a degradação das principais infraestruturas e serviços públicos.

“Na realidade, estas eleições 2024 são um referendo sobre o futuro do país”, considerou Adriaaan Basson, sublinhando que após o “milagre” de 1994 os Governos de coligação “não são um novo fenómeno” na África do Sul.

Em 1994, um acordo de coligação entre o ANC, o Partido Nacional (NP) e o Partido Livre Inkatha (IFP) possibilitou uma trégua de paz entre os três beligerantes, que culminou na criação de um Governo de unidade nacional até à adoção de uma nova Constituição, em 1996, mantendo-se até 1999.

Todavia, à exceção da província do Cabo Ocidental, onde uma coligação de partidos da oposição do Aliança Democrática (DA) destronou o ANC, em 1999 e em 2006, na Cidade do Cabo, a experiência da África do Sul com governos de coligação a nível do poder local tem sido “caótica” desde 2016, resultando na deterioração de serviços públicos, segundo vários analistas locais.

As eleições gerais na África do Sul, anunciadas para 29 de maio, vão ser contestadas por 52 partidos políticos a nível nacional, segundo a Comissão Eleitoral.

CYH // MLL

By Impala News / Lusa

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