25 Abril: Das orações à “Grândola”, a revolução foi chegando ao interior do país
Feita a escola primária a rezar diariamente ante o crucifixo e as imagens de Salazar e Marcello Caetano, Maria da Luz passou a guardar as cabras nas encostas de Água Formosa (Vila de Rei) cantarolando músicas de Zeca Afonso.
Foi no vizinho concelho de Mação (Santarém), onde estudava em 1974, que teve conhecimento do golpe militar que, em abril, derrubou a ditadura. “Fui comprar o pão de manhã, para fazer o meu pequeno-almoço, e as pessoas na padaria naquela agitação toda, ‘houve uma revolução, houve uma revolução, em Lisboa'”, contou à Lusa Maria da Luz Alves, 64 anos, lembrando o rádio que emitia as novidades, comentadas entre a padeira e os fregueses.
Habituada desde cedo a tarefas domésticas e a trabalhos no campo, viveu aos 11 anos o primeiro dia de liberdade no recreio da escola: “Os professores todos atentos ao rádio e nós andávamos a brincar, foi um dia sem aulas, maravilhoso!”
“Lembro-me bem depois do 1.º de Maio, aqueles carros, aquilo tudo, a revolução. Lembro-me das músicas todas do 25 de Abril, do Zeca Afonso. Eu andava naquela encosta acolá com as cabras e nós cantávamos as músicas do 25 de Abril”, apontou.
Em Água Formosa, aldeia de xisto no concelho de Vila de Rei, onde viveu até aos 20 anos, sem eletricidade, Maria da Luz chegou a trabalhar jornadas de 12 horas. “Corri esses cabeços todos, com a lata para recolher a resina dos canecos. Cheguei a ganhar 120 escudos. Era 10 escudos à hora”, recordou.
Carregar a água da fonte ou das pequenas cascatas da aldeia, atravessada pela ribeira da Galega, era outras das tarefas que desempenhava com esmero, num quotidiano sem saneamento. “Subia aquela ladeira toda com o cântaro à cabeça, sem muitas vezes ter de lhe por a mão, tal era o hábito, o equilíbrio.”
Fez a vida profissional em Lisboa e voltou à terra com o marido, Luís Henriques, onde passa três semanas por mês, a outra é para ir ver as netas. “Voltei para casa mais cedo por causa da saúde do meu marido, para não ficar o dia todo na cadeira do computador”, justificou, referindo uma operação à coluna há cerca de dois anos.
Na casa onde Maria da Luz foi criada “a maior parte o tempo”, a casa da avó, estão hoje instalados serviços da autarquia. “Ali onde está a loja do turismo era a capoeira das galinhas”, indicou, lamentando a falta de habitantes.
“Aquele senhor é o único idoso que resiste”, disse, ao apontar para um vizinho que manobrava a enxada numa pequena horta, a única atividade que se avistava na manhã em que a Lusa visitou Água Formosa.
“Estas casas eram todas habitadas, é uma tristeza ver isto assim”, desabafou. “As pessoas venderam as casas, agora já há alojamento local, essas coisas todas, mas… não havia fixação aqui. Não havia trabalho, não havia nada, os campos foram ficando abandonados, a agricultura não dava e as pessoas procuraram outros empregos nas cidades, nas vilas, e saíram daqui”, explicou.
Água Formosa fica situada a cerca de 10 quilómetros do marco que assinala o centro de Portugal e está reconvertida para o turismo. Tem três acessos, mas dentro da aldeia de xisto não há circulação automóvel.
Até ao 25 de Abril, Maria da Luz nunca ouvira falar de alternativa política.
“Nós aqui, só quando aconteceu aquilo é que eu soube que afinal havia um regime em que não havia liberdade total, só nessa altura, porque até aí nunca tive conhecimento de nada”, disse.
*** Ana Mendes Henriques (texto) e André Kosters, (foto), da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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