Partido no poder em Moçambique perdeu “pensamento coletivo” e o futuro é “obscuro” — Stewart Sukuma
O músico moçambicano Stewart Sukuma defendeu à Lusa que a crise pós-eleitoral que o país atravessa anuncia um “futuro obscuro”, considerando que o partido no poder perdeu “pensamento coletivo” e a “reconciliação silenciosa” após guerras deixou cicatrizes abertas.

“O futuro, neste momento, é obscuro. Os políticos perderam a credibilidade toda e há muitos setores da sociedade civil que também perderam credibilidade (…) Em algum momento o partido no poder [a Frente de Libertação de Moçambique] perdeu-se. As linhas e diretrizes do partido não mudaram, mas as pessoas dentro do partido mudaram. Os atos não são espelho daquilo que eram os pensamentos das linhas diretivas que defendiam, que era, em algum momento, o pensamento coletivo”, disse Stewart Sukuma, em entrevista à Lusa, em Maputo.
Num momento em que Moçambique atravessa a maior contestação aos resultados eleitorais que o país conheceu desde as primeiras eleições, em 1994, Sukuma entende que o caos que abalou o país nos últimos meses é resultado da falta de uma reconciliação genuína após ciclos de guerra, considerando que, politicamente, houve sempre falta de coragem para assumir erros cometidos durante o período de conflitos.
“Saímos de uma governação de partido único e abrimo-nos para a democracia [após 16 anos de guerra civil], mas não houve um discurso de reconciliação e perdão. Não houve um momento em que as pessoas olhassem para os erros que tinham cometido no passado. Não nos podemos desviar da história deste país, houve assassínios e mortes arbitrárias sob a capa de tribunais populares onde nós éramos induzidos e quase que obrigados a decidir a favor de execuções”, acrescentou.
São mágoas que para o artista moçambicano continuam vivas na sociedade, explicando as cíclicas crises políticas que o país atravessa, sobretudo após eleições.
“A reconciliação não pode ser silenciosa”, frisou o músico.
Embora o último escrutínio tenha “conservado” a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) no poder, o surgimento de novas gerações sem o “compromisso histórico” com a força que liderou a luta de libertação contra o regime colonial português trouxe outras perspetivas, observa Sukuma.
“É uma faixa mais nova e que já nasce fora da independência. Não seguiu o curso da história com aquela rigorosidade que o sistema provavelmente gostaria que fosse. Essa faixa tem um outro pensamento”, acrescentou.
Mas as limitações de base que sempre acompanharam o país, com destaque para a fragilidade na educação, que afeta sobretudo esta faixa, mostraram-se um grande desafio, cuja prova foi o caos que se instalou com as manifestações nas ruas nos últimos meses, com paralisações, saques e vandalizações, observou.
“Sempre se evitou dar uma educação que desse poder às pessoas para pensarem com as suas próprias cabeças e quando as pessoas tiveram essa oportunidade, com este fluxo de informação, as pessoas reagiram de uma forma que se calhar não foi a mais adequada. Mas nem por isso deixa de haver legitimidade na reação das pessoas (…) Não faz sentido que um país tão rico como Moçambique esteja na pobreza”, declarou.
Para o músico moçambicano, a responsabilidade é de quem Governa e o caos que hoje o país atravessa resulta de um sistema de “educação precária”.
“O povo está a reagir da forma que foi educado”, salientou.
Moçambique vive desde outubro um clima de forte agitação social, com manifestações e paralisações convocadas por Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais de 09 de outubro, que deram vitória a Daniel Chapo.
Atualmente, os protestos, agora em pequena escala, têm estado a ocorrer em diferentes pontos do país e, além da contestação aos resultados, os populares queixam-se do aumento do custo de vida e de outros problemas sociais.
Desde outubro, pelo menos 353 pessoas morreram, incluindo cerca de duas dezenas de menores, de acordo com a Plataforma Decide.
O Governo moçambicano confirmou pelo menos 80 óbitos, além da destruição de 1.677 estabelecimentos comerciais, 177 escolas e 23 unidades sanitárias durante as manifestações.
Nascido em 1963, em Cuamba, província do Niassa, Luís Pereira, uma referência da música moçambicana, é conhecido no mundo artístico como Stewart Sukuma, nome que significa “Levantar” em Zulu e ‘Empurrar’ em Suaíli.
Além da Orquestra Marrabenta Star, fez parte de vários projetos e bandas, entre elas, a Alambique, como percussionista/voz, Mbila, como vocalista, e Formação 82, como percussionista/voz, tendo conquistado vários prémios nacionais e internacionais.
Em 1998, Sukuma mudou-se para Boston, onde ingressou na prestigiada Berklee College of Music.
Autor de álbuns como “Afrikiti”, “Nkuvu”, “Boleia Africana” e “O meu lado B”, combina a música tradicional moçambicana, sobretudo a marrabenta, com a contemporânea, criando estilo musical enérgico e dançante, com sons afro, pop e jazz.
*** Serviços áudio e vídeo disponíveis em www.lusa.pt ***
*** Estêvão Chavisso (texto), Fernando Cumaio (vídeo) e Luisa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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