Os filhos do Sucupira, o maior mercado informal de Cabo Verde

Lidiane passa o dia inteiro a trabalhar no Sucupira, o principal mercado da Praia, Cabo Verde, onde descansa as pernas num míni-colchão que, daqui a semanas, vai servir de berço para o seu segundo filho.

Os filhos do Sucupira, o maior mercado informal de Cabo Verde

“O berço já está pronto”, mostra à Lusa Lidiane Batalha, 24 anos, grávida de quase oito meses.

O filho vai chamar-se Leandro e será uma das muitas crianças que praticamente nascem no Sucupira e crescem acompanhando as mães no seu dia-a-dia de trabalho.

Lidiane é uma de três funcionárias de um salão onde faz extensões de cabelo, manicure, pedicure.

Mesmo grávida, sai todos os dias de casa, no bairro de Eugénio Lima, numa zona sem saneamento, nem arruamentos, com as latrinas a escoar a céu aberto.

Vai e vem a pé para o Sucupira, andando durante cerca de 20 minutos.

“Assim consigo poupar algum dinheiro e fazer exercício”, justifica a jovem praiense, que tem o trabalho atual há cerca de um ano.

Tem outro filho, de cinco anos, que fica ao cuidado da avó.

Lidiane já não pensa noutra coisa, senão no nascimento do filho, previsto para este mês: “Estou contente e espero ter os meus dois meninos sempre comigo”, diz à Lusa.

O mercado de Sucupira, construído há 39 anos no bairro da Fazenda, na zona baixa da Praia, é o maior mercado informal e a céu aberto de Cabo Verde, ocupando uma área de cerca de 15 mil metros quadrados e com quase dois mil comerciantes, entre cabo-verdianos e imigrantes africanos.

Nos barracões, compra-se de tudo um pouco: roupas, sapatos, artesanato, tecnologia, artigos novos e usados, mobiliário, frutas, legumes, peixe e até animais vivos.

Há também as barracas de pequenos restaurantes improvisados, geridos sobretudo por mulheres, chefes de família e mães, muitas delas solteiras, que não têm onde deixar os filhos e levam-nos para o local, e com a idade acabam também por dar uma ajuda nos negócios.

Uma das clientes de Lidiane é Samira Varela, que chega de manhãzinha para colocar umas tranças e aproveita para dar uma ajuda à amiga, porque também sabe o que é ter um olho no negócio e outro num filho.

Aos 15 anos teve a primeira filha, que a acompanhou todos os dias quando ia vender água no local.

“Eu dava bom dia a todos e pedia para tomarem conta da minha menina. Eu era a mãe, mas ela tinha muitas mães e pais no Sucupira”, recorda Samira, que hoje vende produtos diversos pelas ruas da Praia.

Noutra banca do mercado, Ana Martins, 38 anos, também trabalhou durante a gravidez e agora não tira os olhos da filha, com um ano e oito meses, enquanto vê os desenhos num telemóvel.

“Ela está sempre por perto”, indica a vendedora, residente noutro bairro da Praia (Safende) e que há dois anos trocou o trabalho como empregada doméstica pelo trabalho nessa loja de roupas.

Tem mais dois filhos, de 13 e 19 anos, mas prefere levar a mais pequena todos os dias para o local de trabalho, apesar de reconhecer que pode não ser “o ambiente adequado” para um bebé de poucos meses, sujeito a todo o tipo de barulho, cheiros e movimentação.

Mas no bulício do mercado, vale a solidariedade.

Assim o diz Fatoumata Binta, que viajou da Guiné-Conacri para Cabo Verde há 16 anos, onde já teve cinco filhos, sendo que todos passaram pelo Sucupira.

“Graças a Deus, toda a gente me ajuda”, descreve a costureira, profissão que aprendeu com o pai, ainda no país natal.

Os outros meninos vão para a escola e Fatoumata leva a menor, de 3 anos, para o mercado desde os 3 meses.

“Faço tudo mais devagar”, mas é assim que tem de ser, refere a comerciante, que começa a trabalhar depois das 09:00 e às vezes termina só depois das 20:00, sem nunca tirar os olhos da máquina de costura e da filha.

A poucos metros, Maria Celina, 47 anos, tem quatro filhos e conta que um dos partos só não aconteceu no mercado por muito pouco.

“Comecei a sentir dores e fui daqui para o hospital”, conta a vendedora, sobre a primeira filha.

Três meses depois começou a levá-la para o mercado, onde cresceu, para depois estudar e hoje trabalhar num hospital em Portugal.

Dois dos outros filhos — um deles está a estudar, também em Portugal -, conheceram o local logo a partir do primeiro mês de vida.

“Tinha colchões, aqui, onde se deitavam” e depois de um ano começaram a ir para uma creche nas imediações.

A Câmara Municipal da Praia também tem um jardim de infância no Parque 5 de Julho, paredes meias com o mercado, que acolhe as crianças das vendedeiras, e não só.

No meio de toda a confusão do Sucupira, um dos filhos menores de Celine bebeu petróleo. O pior não aconteceu porque outra comerciante se apressou a levá-lo para o hospital.

“Ainda hoje essa senhora chama o meu filho de Pitrolinho”, brinca Maria Celina, mais conhecida por Cilene, que tem “orgulho” no que faz, mas, tal como as outras colegas de venda, não quer que os filhos sigam o mesmo caminho.

“Só a mãe”, como vendedora no mercado, “já é suficiente”, refere Cilene, que vende no mesmo local há 25 anos, e conta a sua história sempre com um sorriso.

*** Ricardino Pedro (texto e vídeo) e Elton Monteiro (fotos), da agência Lusa ***

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By Impala News / Lusa

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