Do “trapiche” ao copo, Cabo Verde entra na nova época de produção de grogue
O fumegar dos alambiques mostra que Cabo Verde entrou na época de produção de grogue, a bebida alcoólica ícone do país, com fardos de cana-de-açúcar a avolumarem-se no pátio da destilaria de Manuel Mendonça, na ilha de Santiago.
“Para ter bom grogue, é preciso ter cana de boa qualidade, madura”, para se extrair “uma boa calda, doce”, que vai fermentar, antes de entrar nos alambiques, explica à Lusa.
Manuel Mendonça guarda os segredos herdados do pai e o rótulo nas garrafas leva o nome do patriarca, Djon Mendonça.
O pai já não viveu para ver a instalação do “trapiche”, máquina que tritura a cana, plantada nas encostas verdejantes que envolvem a destilaria familiar, num vale fechado, vigiado pela serra que leva ao Pico da Antónia, ponto mais alto da ilha de Santiago (1.394 metros).
A percorrer o campo está Manuel Frederico, funcionário, que ergue uma catana no ar, com força, e escolhe as canas maduras.
“É preciso que a flor de cana fique seca, tal como a folha. Conseguimos reconhecer quando está pronta para cortar. Depois, tem de ser bem limpa antes de trituração, cortar as raízes, para não passarem impurezas” para a sala de fermentação.
É ali que a calda vai passar três a dez dias, dependendo do calor, que dita o tempo necessário para fermentar de forma natural.
Ao entrar na sala escura e quente, como uma estufa, ouve-se o borbulhar dentro dos bidões, cobertos de espuma em movimento lento: antigamente, quando parava era um dos sinais de que estava pronta para destilar, hoje, usam-se termómetros e outras formas de medição para avaliar o “grau” da matéria alcoólica.
Os segredos de um bom grogue incluem “muita coisa”, é “um processo longo e complexo”, a começar pela limpeza da matéria-prima e incluindo toda a higiene das instalações, em contraste com os riscos do passado, em que “era tudo feito ao ar livre”, conta o proprietário.
Noutra ponta da fábrica, ouve-se a lenha a crepitar forte e um fogo vivo já alimenta a fornalha de um dos três alambiques, que João Ferreira, funcionário, atesta com bidões de calda, que ali vai destilar.
“Aqui já está a pingar”, aponta Manuel Mendonça para a torneira do alambique seguinte de onde o grogue já começou a sair.
Ângelo Mendonça, filho do proprietário, apresenta a linha de produtos da família, que, além do grogue – com um grau alcoólico na casa dos 40 graus -, inclui ponche – no intervalo dos 20 graus -, com diferentes sabores, em que o maracujá e a “mancarra” (amendoim) ganham popularidade.
O preço varia e as garrafas mais baratas podem começar nos 500 escudos (cerca de cinco euros) para o ponche e 700 escudos (cerca de sete euros) para o grogue, progredindo em função da refinação da bebida.
Pai e filho fazem um brinde pela produção de 2025, a contar que nos próximos dias saiam da alfândega do porto da Praia as garrafas de vidro, importadas para continuar a levar as bebidas até aos consumidores.
“O meu maior constrangimento é encontrar garrafas [de vidro], tampas” e outros acessórios que têm de ser importados, porque, de resto, “o negócio está a correr muito bem”, depois de recuperada a queda provocada na atividade económica, em geral, pela pandemia da covid-19.
“Às vezes falta produto para vender, porque em Cabo Verde não temos quem forneça o que é preciso, na hora certa. Neste momento, estou sem garrafas, estou parado”, lamentou o proprietário, que vai armazenando a bebida, prevendo voltar a engarrafar dentro de dias.
O mercado interno cabo-verdiano é o grande comprador, incluindo um aumento do retalho detido por comerciantes chineses no arquipélago, além da procura por emigrantes cabo-verdianos, diz Manuel Mendonça.
Para o filho, o sucesso da produção pode ser sinal de que tem um negócio que o pode fazer ficar na ilha, contrariando a tendência de muitos jovens que pensam em emigrar, enquanto o pai concretiza a prosperidade sonhada por gerações.
Na fábrica familiar, é hora de descarregar um camião de cana-de-açúcar comprada a outro agricultor da ilha de Santiago, porque nos terrenos de Manuel Mendonça a matéria-prima já escasseia.
Cabo Verde tem 388 alambiques para produção de grogue, com mais de um quarto (99) concentrados no concelho da Ribeira Grande, em Santo Antão, segundo dados da Inspeção Geral das Atividades Económicas (IGAE).
Uma lei aprovada em 2015 passou a regular a produção e comercialização com obrigações ligadas à higiene, proteção do meio ambiente, promoção da saúde pública, direitos dos consumidores e dos produtores.
Dados de 2017 da IGAE apontavam para uma produção de 1,7 milhões de litros nas unidades certificadas.
*** Luís Fonseca e Rosana Semedo (texto e vídeo) e Elton Monteiro (foto), da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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