Pastelaria Versailles faz 100 anos cheios de ‘glamour’ e com histórias guardadas entre paredes
A Pastelaria Versailles, uma das mais icónicas de Lisboa e com nome de palácio francês, completa 100 anos mantendo o ‘glamour’ dos anos 20 na sua traça ‘Art Nouveau’ e soma histórias, muitas delas, guardadas entre paredes.
Fundada em 25 de novembro de 1922 por Salvador José Antunes, um português “que adorava a pastelaria francesa e a arte (…), a nova casa no estilo de Luís XIV tinha um ambiente muito selecionado, decorado com pinturas de Benvindo Ceia, retratando os lagos de Versailles e o trabalho em talha por Fausto Fernandes“. “Frequentada por diversas personalidades lisboetas, a Versailles tinha um atendimento distinto feito por empregados com ‘fardas impecáveis'”, pode ler-se no ‘site’ da pastelaria. As fardas ainda se mantêm: camisa branca, pulôver cor de vinho e um ‘papillon’, a fazer ‘pandant’ com as duplas toalhas de mesa impecavelmente esticadas e a meia dúzia de empregados por detrás do balcão que, numa espécie de dança, atendem os pedidos com mestria, sem nunca se atrapalharem, feitos pelos que, do lado de fora, servem às mesas.
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À agência Lusa, Paulo Gonçalves, um dos atuais nove sócios do espaço, falou do orgulho que é trabalhar numa casa com a “história que a pastelaria tem” e, se a pandemia trouxe alguns desaires, como o atual pagamento de empréstimos contraídos para que pudesse continuar a atividade sem despedimentos, reconheceu a necessidade de se adaptarem aos novos tempos e também à nova clientela que começa a surgir. Durante a semana são “basicamente uma clientela de serviços” pois a pastelaria, na Avenida da República, encontra-se numa zona com vários ministérios e sedes de empresas, mas, ao fim de semana, vêm as famílias “o avô, o pai, os netos”, muitos que o fazem há já vários anos. Paulo Gonçalves contou que há muitas histórias ligadas à Versailles, mas, “por respeito aos clientes”, ficam na memória de quem viveu esses acontecimentos, escusando-se a partilhá-las, apesar de reconhecer que “havia e ainda há clientes distintos”. “Não vou dizer [quais], não vou referir nomes. Mas desde primeiros-ministros, Presidentes da República e da Câmara. Todos, todos foram nossos clientes, não só os atuais, como os passados”, revelou orgulhoso.
Paulo Gonçalves contou que há muitas histórias ligadas à Versailles, mas, “por respeito aos clientes”, ficam na memória de quem viveu esses acontecimentos
Um desses frequentadores com momentos passados na Versailles que ficaram na história é o antigo ministro das Finanças António Bagão Félix, que recordou à Lusa uma reunião mantida na pastelaria que resultou no Manifesto dos 74, assinado maioritariamente por economistas, que defendia a necessidade de reestruturar a dívida pública portuguesa. “Eu tive aqui várias reuniões políticas. Aliás, recordo-me de uma que ficou relativamente celebrizada, não a reunião, mas o documento [que resultou] que foi o Manifesto dos 70 e não sei quantos, da situação da dívida pública em 2013 se a memória não falha, já lá vão nove anos. Reunimos aqui alguns, ali ao fundo, e depois o documento seguiu o seu percurso”, contou. Bagão Félix reconheceu o tratamento diferenciado com que os clientes são tratados, identificando que “há uma personalização entre o empregado que está a atender e o cliente”. “Portanto, há essa ligação. É uma ligação construída no tempo e de confiança. Por outro lado, é um espaço muito central, obviamente, se retirarmos a Baixa. Não é o único, mas é um dos cafés icónicos que tem história, que tem tradição, que tem vivências, que tem testemunhos. É uma pastelaria que fala muito, se pudesse falar ela própria”, afirmou.
“Esta pastelaria é especial, a confeção é ótima e toda a gente sabe disso”
Cliente há 67 anos, Virgílio Marques vai à Versailles “não esporadicamente, mas diariamente”, como frisou à Lusa, e lembrou as tertúlias de vários elementos do Sporting, entre os quais o antigo presidente João Rocha, que “vinham a meio da tarde, depois iam jantar e voltavam novamente ao fim da noite para beber café e continuar a tertúlia”. “Muita gente dizia que era o ninho dos sportinguistas, vinham aqui todos. Eu ouvia as histórias e depois transmitia ao meu pai”, disse, lembrando que foi pela mão do seu falecido pai que conheceu a pastelaria, onde já levou o neto de 11 anos, que “ficou encantado”. “Esta pastelaria é especial, a confeção é ótima e toda a gente sabe disso”, afirmou, lembrando que era frequentada pela “fina flor de Lisboa” como os presidentes Mário Soares e família e o General Ramalho Eanes”, o que hoje “já não acontece tanto” porque também as pessoas são muito diferentes. “Eu ainda sou do tempo em que havia direito de admissão nas portas. Hoje não é igual, já se entra aqui de qualquer maneira”, desabafou.
“Aqui consegui que clientes já não me considerem um funcionário, mas um amigo deles, praticamente parece uma família”
Apesar de não ter os mesmos anos de casa como cliente, Joaquim Monteiro conhecedor do espaço “há 15, 20 anos”, reconheceu, juntamente com a esposa, que a Versailles “é um espaço muito agradável, com uma decoração como gostam e um serviço bom”. “A qualidade dos produtos também é boa e este conjunto faz com que nos sintamos atraídos e vimos aqui com alguma frequência para almoçar uma coisa ligeira ou para lanchar”, explicou. Empregado na Versailles “há quase 30 anos”, José Batista disse sentir que esta é a sua “segunda família” e defendeu que existem diferenças entre trabalhar na Versailles e noutras pastelarias, nomeadamente na Suíça, uma outra casa histórica já fechada, por onde passou, sobretudo no tratamento dos funcionários. “Foi uma casa que gostei muito, mas a experiência para mim é muito boa ao fim destes quase 30 anos aqui”, contou, reconhecendo também que os clientes são diferentes: “aqui consegui que clientes já não me considerem um funcionário, mas um amigo deles, praticamente parece uma família”, contou com orgulho. Nas vitrines do balcão saltam à vista os croquetes, os croissants, os duchesse, os pasteis de nata, entre tantas iguarias sobretudo da pastelaria francesa, e o tradicional bolo rei procurado por muitos.
Atualmente fecha dois dias por ano, no dia de Natal e a 01 de janeiro por opção dos funcionários, depois de muitos anos, num acordo entre empregados e patrões, fechar somente a 01 de maio, Dia do Trabalhador, quando todos se juntavam num almoço. “O dia 24 de dezembro aqui é muito duro, é a verdadeira loucura. E o que aconteceu muitas vezes foi que, no dia 25, os próprios funcionários, de tão cansados que estavam, não conseguiam vir trabalhar”, explicou Paulo Gonçalves. Agora, contou, as clientes mais antigas já começaram a voltar para tomar o chá e trocar as prendas de natal com as amigas, muitas das quais, trazem as netas para uma espécie de passagem de testemunho.
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