Acompanhantes lésbicas japonesas: “Pela primeira vez gostei realmente de sexo”

As agências de acompanhantes lésbicas estão em crescimento. São procuradas tanto por homossexuais como por heterossexuais e os serviços sexuais vendidos são comparadas a práticas de bem-estar, como yoga ou massagem.

Acompanhantes lésbicas japonesas:

Para entender o surgimento de agências de acompanhantes lésbicas no Japão, é preciso recuar bastante. Na sociedade japonesa, a prostituição é frequentemente vista como “um mal necessário”. “Uma forma de manter a harmonia social, proporcionando aos homens uma saída para os seus desejos sexuais reprimidos”, enquadra a investigadora Marta Fanasca, formada na Universidade de Bolonha atualmente membro do programa de investigação e inovação ‘Horizonte 2020’ da União Europeia, sob o acordo de subvenção Marie Skłodowska-Curie.

Embora haja “uma série de problemas com esta visão – como a implicação de que os homens são inerentemente incapazes de controlar os impulsos sexuais – há, igualmente, também uma falha crítica: enquadra a prostituição como algo de que apenas os homens querem ou precisam”.

No Japão, a sexualidade feminina é “frequentemente vista através das lentes estreitas do romance heterossexual e da maternidade”. “‘Rezu fūzoku’ subverte essa visão”, explica Fanasca.

Rezu fūzoku, que pode ser traduzido aproximadamente como “entretenimento sexual lésbico”, refere-se a agências onde trabalhadoras sexuais fornecem sexo a clientes mulheres – que, no Japão, “é totalmente legal”. “Comecei a investigar serviços comerciais de sexo e acompanhantes de mulher para mulher em 2023. Depois de estudar inicialmente o fenómeno de travestis de mulher para homem que oferecem encontros românticos e não sexuais a clientes mulheres, decidi expandir a investigação para focar-me em clientes que procuram sexo e romance”, relata a investigadora

Agências de acompanhantes lésbicas: um nicho de mercado

acompanhantes lésbicas no Japão
“Eu queria começar o meu próprio negócio e como estava a construir sites para várias sites de entretenimento adulto, decidi tentar algo similar. Rapidamente ficou claro que, enquanto o mercado estava inundado com serviços para homens, quase não havia nenhum para mulheres”

Ao contrário de muitos países que criminalizaram historicamente atos homossexuais, o Japão proibiu-os apenas na década de 1870, durante uma era de reformas legais inspiradas no Ocidente. Após esse período, o país não reintroduziu leis que criminalizassem atos homossexuais, permitindo que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo existissem em grande parte sem interferência legal, “mesmo que continuassem a ser mal vistos na sociedade japonesa“.

Além disso, a prostituição homossexual nunca foi ilegal. O Japão promulgou uma lei antiprostituição rigorosa em 1956 que proíbe a prática, que define exclusivamente como sexo penetrativo pago entre um homem e uma mulher. Como resultado, “qualquer atividade paga que esteja fora dessa definição – como sexo homossexual – não é considerada ilegal”.

“Para a minha investigação, entrevistei Obō, fundador do Lesbian Girls Club [Clube de Mulheres Lésbicas], agência com filiais em Osaka e Tóquio que fornece profissionais do sexo a clientes mulheres. Obō começou a carreira como designer web, mas cedo ficou esgotado e desiludido”, apresenta Marta Fanasca.

“Eu queria começar o meu próprio negócio e como estava a construir sites para várias sites de entretenimento adulto, decidi tentar algo similar. Rapidamente ficou claro que, enquanto o mercado estava inundado com serviços para homens, quase não havia nenhum para mulheres”, explica Obō.

Foi então que criou o Lesbian Girls Club, em 2007. A agência organiza encontros entre trabalhadoras sexuais e clientes mulheres, em hotéis, em vez de num bordel. Desde então, tornou-se numa instituição no Japão, com algumas das trabalhadoras sexuais que continuam a trabalhar para Obō.

O clube de acompanhantes lésbicas

Nagata Kabi criou 'My Lesbian Experience With Loneliness' após frequentar um Clube de Acompanhantes Lésbicas
Nagata Kabi criou ‘My Lesbian Experience With Loneliness’ após frequentar um Clube de Acompanhantes Lésbicas

Inicialmente um nicho de mercado, rezu fūzoku ganhou maior atenção quando a artista de mangá Nagata Kabi usou a agência de Obō e, mais tarde, relatou a sua experiência no seu trabalho “A minha experiência lésbica com a solidão”. O mangá premiado, também foi lançado nos EUA e na Europa, apresentou o serviço a muitas mulheres japonesas que não o conheciam anteriormente.

Apesar do termo “rezu” – lésbica – no nome, a agência de Obō aceita mulheres de todas as orientações sexuais. “Algumas das nossas clientes são lésbicas”, diz. “Mas muitas são hetero, também casadas. A maioria tem entre 26 e 35 anos, embora também tenhamos clientes na faixa dos 60 e dos 70 anos.”

Muitas mulheres japonesas “continuam a achar difícil explorar a sexualidade e expressar os seus desejos sexuais, mesmo com os seus parceiros”, afirma Marta Fanasca. Isto leva-as “frequentemente a experiências sexuais insatisfatórias, o que pode abrir caminho para relacionamentos sem sexo – algo cada vez mais comum no Japão e uma situação que muitos clientes dos serviços rezu fūzoku partilharam com a investigadora.

É o caso de Yuriko, cliente heterossexual de 35 anos do rezu fūzoku, explicou. “Pela primeira vez gostei realmente de sexo! O Rezu fūzoku deu-se a oportunidade de tentar coisas novas e sentir-me bem.”

Sexo é bem-estar

“Nas entrevistas de Fansca, o termo ‘iyashi‘ aparecia frequentemente. Significa ‘cura’ e refere-se a atividades ou serviços que fornecem alívio do stresse diário e sentimentos negativos. O sexo – especialmente o sexo comercial – no Japão é visto da mesma forma que o yoga ou as massagens formas de iyashi.”

“Os homens não entendem as mulheres e os seus corpos”, diz Yuriko. “Mas a sexualidade é uma parte fundamental da vida e ignorá-la só leva à frustração e à insatisfação. Sexo é iyashi.” A utilização desta palavra “mostra como a prostituição no Japão nem sempre é vista como algo vergonhoso”, e também pode ser vista como “forma de auto-cuidado”.

Por exemplo, a prática de enviar uma trabalhadora do sexo para um hotel onde ela se encontra com o cliente é chamada em japonês de “deriheru”, ou “saúde de entrega”, enfatizando a ligação com o reino iyashi. Além disso, uma sessão de 90 minutos com uma trabalhadora do sexo profissional para mulheres é frequentemente chamada de “curso de bem-estar”, que vincula o sexo ao bem-estar físico e psicológico.

As próprias trabalhadoras do sexo enfatizam também a ligação entre a sua ocupação e as práticas de iyashi, referindo-se com frequência a si mesmas como “terapeutas” ou “elenco” e minimizando os aspetos sexuais do seu trabalho. Preferem destacar a ligação entre relacionados e bem-estar. Conscientes do impacto positivo que os seus serviços têm sobre as mulheres, “muitas delas expressaram orgulho no seu trabalho durante as nossas entrevistas”, aponta Marta Fanasca.

“‘É gratificante’, disse-me Moe, que está na indústria há seis anos.” – “Quando uma cliente me diz que estava realmente a lutar, mas agora sente que pode esforçar-se um pouco mais porque nos conhecemos, fico feliz por ter escolhido este trabalho”, acrescenta Moe. Makiko, colega de Moe, concorda. “Estou orgulhosa deste trabalho. É muito importante para mim e acredito que é muito necessário na sociedade.”

Apesar do estigma generalizado contra profissionais do sexo na sociedade japonesa, “o status legal dos serviços de rezu fūzoku oferece aos funcionários maior proteção e garante condições de trabalho claras”. O crescimento da indústria no Japão “é notório”. “Tóquio abriga atualmente mais de 10 agências de rezu fūzoku”, de acordo com a investigação de Fanasca.

“Um refúgio para o coração”

acompanhantes lésbicas no Japão
“Uso este serviço para conforto e cura”, diz Sachi, mulher de 42 anos casada com um homem. “É um tipo de refúgio para o coração que oferece riqueza emocional”

Apesar da existência de serviços voltados para o bem-estar sexual das mulheres, a desigualdade de género “mantém-se galopante no Japão”. “As mulheres continuam a enfrentar barreiras sociais e económicas significativas.” O Relatório Global de Lacunas de Género de 2024 do Fórum Económico Mundial, o Japão está em 118.º lugar entre 146 países em igualdade de género e ocupa a posição mais baixa entre as nações do G7.

Ao atender aos desejos sexuais das mulheres fora da estrutura heterossexual tradicional, rezu fūzoku “desafia narrativas convencionais sobre a sexualidade feminina”. “Num país a enfrentar taxas de casamento e natalidade em queda, ouvir as mulheres e entender as suas necessidades tornou-se cada vez mais importante”, entende a investigadora Marta Fanasca.

Esta forma legal de trabalho sexual “preenche claramente uma necessidade, por oferecer às mulheres um lugar seguro para tentar coisas novas e confiar o seu prazer sexual a uma especialista – que, por acaso, é outra mulher”. “Algo que se destacou na minha investigação foi o quão popular o serviço era entre mulheres em relacionamentos heterossexuais que pareciam ansiosas para explorar desejos que podem ser difíceis de partilhar com um parceiro.”

O que as clientes femininas procuram muitas vezes, no entanto, “vai para além do sexo em si”. “Muitas querem simplesmente intimidade. Ser abraçadas, aconchegadas e cuidadas da forma que está a faltar-lhes não apenas na vida de mulheres solteiras, mas também na de mulheres em relacionamentos.”

“Uso este serviço para conforto e cura”, diz Sachi, mulher de 42 anos casada com um homem. “É um tipo de refúgio para o coração que oferece riqueza emocional”, explica.

The Conversation

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