Mário de Carvalho revela ter sido vítima de abusos sexuais
Mário de Carvalho, jurado na TVI de All Together Now, alvo de abuso sexual durante a infância, coagido por homem que fazia passar-se por alguém “conhecido” da família.
Mário de Carvalho, um dos cem jurados do programa All Together Now, marcou presença no programa Dois às 10, da TVI, nesta segunda-feira, 17 de maio, para partilhar, de forma inédita, o testemunho sobre os abusos sexuais de que foi alvo na infância. O também stylist de celebridades começa por contar que os abusos, ocorridos “mais do que uma vez”, aconteceram quando tinha 12 anos. Seguiu-se um processo em tribunal que o próprio classifica como “homofóbico e verdadeiramente traumático”, tanto para o profissional de moda como para a mãe, que o acompanhou ao longo de todo o processo.
“Foi verdadeiramente traumático tanto para mim como para a minha mãe ao ponto de numa das segundas ou terceira entrevistas que tive com a inspetora ao lado da minha mãe, de mãos dadas com ela, perguntaram-me: ‘Tu és homossexual, então foste tu que quiseste que isso acontecesse‘. A minha mãe ouviu isto. Eu ouvi isto. Tinha 14 anos já nesta altura”, recorda. “O meu sonho maior era ser um Tokio Hotel [grupo musical originário da Alemanha], não era que nada disto me tivesse acontecido”, acrescenta.
Mário de Carvalho diz viver “com dores todos os dias”
Foi durante o período escolar que quem o rodeava percebeu que o seu “comportamento estava diferente”. “Depois de três anos de processo em tribunal”, foi “mais tarde” que Mário de Carvalho percebeu que “independentemente da sentença que aquela pessoa levou”, a sua “prisão é perpétua relativamente a este assunto”. Isto porque “aos 21 anos” foi-lhe diagnosticado stress pós-traumático, patologia de pânico e dor crónica. “Vivo com dores todos os dias por causa disso”, confessa. O desfecho em tribunal, conta, culminou em “11 anos de sentença”.
O também repórter do “Curto Circuito“, da SIC Radical, explica que foi alvo de chantagem e manipulação, uma vez que o agressor se fazia passar por alguém “conhecido” da sua família, uma mentira que viria mais tarde a descobrir quando Mário foi confrontado com o então arguido durante o julgamento do caso. “Aquela pessoa dizia-se conhecida da minha família e para não fazer mal à minha família, eu tinha de sujeitar-me àquilo”, conta. “Depois cheguei a tribunal, na primeira altura em que me cruzei com essa pessoa, e a minha mãe diz-me: ‘filho, nós não o conhecemos'”, relata ainda.
Face a essa descoberta, seguiu-se um sentimento de dor. “Foi a única vez durante este processo que eu senti que o mundo tinha caído, porque submeti-me sete vezes àquilo para proteger a minha família quando percebo que [na realidade] não protegi ninguém”, diz. Nos três anos que decorreu o processo judicial, Mário de Carvalho só recorreu a apoio psicológico “a posteriori”, apesar de lhe ter sido oferecido essa oportunidade durante esse período conturbado. “Eu quis sempre meter tudo para debaixo do tapete. A minha mãe sempre me pôs à disposição tudo e mais alguma coisa, mas sobretudo na reta final do processo, enquanto eu e a minha mãe estávamos a findar um processo em tribunal, o meu pai estava a morrer com cancro em casa”, revela.
Sobre o sistema judicial português, o jovem comunicador volta a caracterizá-lo como “homofóbico”. “Tal como vivemos num sistema racista”, acrescenta. “Durante o meu processo de adolescência, acreditei que aquela pessoa estava certa. Eu acreditei que aquilo me tinha acontecido, porque queria que aquilo me tivesse acontecido. E primeiro que tu desenvencilhes isso da tua cabeça?”, questiona Mário de Carvalho para mais tarde admitir que não sabe se “até hoje” está “cem por cento” resolvido. “Com o tempo, é uma gaveta que está cada vez melhor fechada. O apoio psicológico é mais do que importante. O pedir ajuda é mais do que importante. E é cem por cento importante ter uma mãe do caraças”, realça sobre a relevância do apoio familiar neste tipo de casos.
Mário de Carvalho idealiza calçado para ajudar associação
“O que me traz aqui hoje é o que de bonito posso fazer com o mal que me aconteceu”, explana o comunicador, de 24 anos. Isto porque, Mário de Carvalho aliou-se a uma marca de ténis emergente, a UCMORE, para criar o seu próprio modelo de calçado. Através deste projeto, o jurado do concurso de caça-talentos da estação de Queluz de Baixo pretende reverter parte das receitas para a Quebrar o Silêncio, uma associação que ajuda jovens rapazes vítimas de abuso sexual.
“Daquilo que me diz respeito a estes ténis, 20 por cento revertem automaticamente para a Quebrar o Silêncio para ajudar judicialmente ou psicologicamente uma criança, um adolescente, um menino que tenha passado pelo mesmo que eu”, afirma, salientando que um em cada seis rapazes já foi alvo de algum abuso sexual ao longo da sua vida. “A estatística é verdadeiramente assustadora”, refere.
Texto: Alexandre Oliveira Vaz;
Fotos: Reprodução TVI e Redes Sociais
Siga a Impala no Instagram