Eurovisão: o que nós andámos para aqui chegar

Da descrença à vitória: a história destes dois meses improváveis que culminaram com a vitória de Salvador Sobral no Festival Eurovisão da Canção

Eurovisão: o que nós andámos para aqui chegar

Domingo, 19 de fevereiro. Estúdio 1 da RTP.

“A música 7 é para uma pessoa se emocionar”, avisa-me o Nuno Carrilho, do clube de fãs da Eurovisão, ESC Portugal. A frase, na altura, passou-me ao lado. Mas agora compreendo-a na perfeição.

Depois de uma série de canções francamente olvidáveis, em que a plateia no estúdio da RTP oscilava entre o bocejo e a impaciência, eis que surge em palco um rapaz franzino, despenteado, de roupas andrajosas.

“Que raio é que este gajo tem vestido? É mesmo hipster, não há paciência!”, foi o que me passou pela cabeça.

Soam as primeiras notas de Amar Pelos Dois. O burburinho é substituído por silêncio. Total. Salvador começa a cantar. Não sei o que está a acontecer… mas está a acontecer alguma coisa. Estamos todos em suspenso, envoltos numa onda mística qualquer, um encantamento coletivo de piano, cordas e voz. São 3 minutos que não sei onde foram parar.

Acabou.

“Brutal”, penso para os meus botões. Mas não é música para Festival. Depois da canção de Luísa Sobral, sobem ao palco os Viva la Diva. Tudo grita Eurovisão em plenos pulmões. Está aqui o vencedor do Festival da Canção. “Mas e se…?”

Fui a primeira jornalista a escrever sobre os problemas de saúde de Salvador Sobral. Foi uma oportunidade noticiosa que nos surgiu à frente e que tivemos de agarrar. Quando escrevi aquela primeira notícia sobre os problemas de saúde do Salvador, depois da primeira semifinal, tive a perfeita noção que estávamos a dar o tiro de partida para alguma coisa.

Mas voltemos ao Festival da Canção.

Não estive na final, no Coliseu. Assisti em casa, estoicamente, àquelas 4 horas que juntaram o Festival ao 60º aniversário da RTP. Uma maratona que já ia longa quando, finalmente, se anunciou o que causou repúdio em muitos e alegria noutros tantos: inesperadamente, Salvador, todo ele anti-festivaleiro, e a sua irmã, toda ela jazz, ganhavam o Festival da Canção.

Se esta vitória já parecia improvável, o que se seguiu foi ainda mais surpreendente.

Começam os números das visualizações nas redes sociais a subir. Os irmãos Sobral a serem convidados para tudo o que é programa da rádio e televisão. Há pessoas que nem sequer falam português a fazer covers de Amar Pelos Dois!

Sou uma eurovisiva fanático-cética. Só posso ser, tendo em conta o cenário catastrófico das nossas participações dos últimos anos. Em abono da verdade, todas as nossas participações foram desastrosas. Nunca ganhámos, nunca chegámos ao TOP 5. E não me venham com conversas que as músicas do antigamente é que eram boas. Não, não eram. Nós é que só tínhamos dois canais e papávamos tudo o que dava.

À exceção das Doce, uma aberração vanguardista num país ainda a tresandar a ditadura, o que é que levámos à Eurovisão que tenha sido realmente diferente? Nada. Lamento ser cruel, mas é a verdade.

Até 2017. Até este sábado, 13 de maio.

Os ensaios para o 62º Festival Eurovisão da Canção começaram em finais de abril. De Kiev para o mundo, graças ao Youtube, acompanhei a par e passo conferências, ensaios, comentários de bloggers, jornalistas.

Desenganem-se os que pensaram que o “histerismo” – como alguns lhe chamam – em torno de “Amar Pelos Dois” – foi coisa lusa, sebastianista, de acreditar em nevoeiros e conquistadores vindos do além. Foi global.

Esta noite, em Kiev, fizemos o pleno.

O inimaginável, o que muitos pensaram que nunca iria acontecer. Eu – caramba! – nunca pensei que isto fosse acontecer! Não ficámos pelo caminho, não estivemos quase lá! Nós ganhámos! Ganhámos o voto do júri, do público, fomos ouvidos e vistos por milhões, de Espanha à Austrália, da Ucrânia aos Estados Unidos da América.

E fizemo-lo com a elegância, a beleza, o despojamento, a simplicidade poderosa que só Salvador e Luísa Sobral conseguiriam ter.

Agora que os festejos acabaram, começa o dia zero de uma nova etapa. Eu 2018 somos anfitriões da Eurovisão. E vamos – como só nós sabemos – mostrar ao mundo como fazer a festa!

Obrigada, Salvador!

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