Quem é Imane Khelif e quais os problemas que ela enfrenta?

A argelina Imane Khelif é uma das duas pugilistas nos Jogos Olímpicos Paris2024 sob os holofotes mediáticos – com questões polémicas relacionadas com testes de género e níveis de testosterona a voltarem a ser notícia.

Imane Khelif, da Argélia, é uma das duas praticantes de boxe nas Olimpíadas de Paris2024 que estão nas notícias – enquanto questões polémicas relacionadas com testes de género e níveis de testosterona voltam a estar sob holofotes, como aconteceu no caso do corredor sul-africano Caster Semenya.

Khelif e Lin Yu-ting, de Taiwan, falharam num teste de género questionável, administrado pela Associação Internacional de Boxe (IBA) em 2023, mas foram declaradas aptas para pelo Comité Olímpico Internacional. Ambas são mulheres e identificam-se como tal, mas uma das pugilistas oponentes de Khelif alimentou um clamor público de que ela tem uma vantagem injusta, estimulando até alegações de que Khelif seria transgénero. A socióloga desportiva e antiga pugilista Anne Tjønndal explica o que está de facto em causa.

A história do boxe olímpico feminino e quais problemas sociais ele enfrentou

O boxe foi um dos últimos desportos olímpicos de verão a incluir atletas femininas, tendo sido introduzido no programa olímpico para os Jogos de Londres 2012. Nesta competição, há 12 anos, apenas três das dez categorias de peso foram incluídas para mulheres: 51 kg (peso mosca), 60 kg (peso leve) e 75 kg (peso médio).

Nos mesmos jogos, foram incluídas dez categorias de peso para pugilistas masculinos. A marginalização do boxe feminino prosseguiu, nos Jogos do Rio 2016, mantendo três categorias de peso para mulheres e dez para homens. “As coisas começaram a mudar depois do Rio, com os jogos de Tóquio 2020, que já incluíram cinco categorias para mulheres e oito para homens”, assinala Tjønndal. Em Paris, “os homens competem em sete categorias de peso e as mulheres em seis”.

Uma das maiores controvérsias do boxe feminino nas Olimpíadas ocorreu antes de Londres 2012, quando a AIBA (Association Internationale de Boxe Amateur – agora IBA) sugeriu que seria obrigatório as pugilistas competirem de saia. A sugestão foi recebida com resistência por pugilistas de todo o mundo e enquanto a questão permaneceu indecisa até janeiro de 2012, na primavera de 2012 foi finalmente anunciado que teriam permissão para escolher entre competir de saia ou de calções.

Hoje, “os problemas sociais mais urgentes para o boxe feminino nas Olimpíadas estão relacionados com a falta de representação feminina em treino e liderança e com a falta de estudos sobre a prevalência de assédio e abuso sexual de mulheres no boxe”, aponta Tjønndal.

Quem é Imane Khelif e por que está a aparecer nas notícias

Imane Khelif é uma pugilista amadora da Argélia. Ganhou uma medalha de prata no Campeonato Mundial de 2022 e uma de ouro no Campeonato Africano de 2022. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, chegou aos quartos de final. O seu recorde amador era de 51 combates (39 vitórias e 9 derrotas) até Paris2024.

Em notícias recentes, Khelif tornou-se vítima de desinformação generalizada e alegações infundadas sobre o seu género. “Foi falsamente acusada de ser transgénero, apesar de viver toda a sua vida como mulher e de ter uma longa carreira no boxe feminino”. A controvérsia teve origem na desqualificação de Khelif do Campeonato Mundial de 2023 pela IBA, que citou a sua falha em cumprir os testes de elegibilidade de género, mas não especificou a natureza desses testes, gerando rumores de que Khelif seria “transgénero e biologicamente homem”.

A situação “piorou depois de Khelif ter vencido o combate olímpico de abertura em 46 segundos contra a italiana Angela Carini”. Esta vitória levou a um “aumento no abuso nas redes sociais direcionado a Khelif”. O comentário de Carini após o combate, alegando que nunca tinha levado “um soco tão forte“, alimentou ainda mais as alegações.

Embora Carini se tenha desculpado com Khelif pelo seu comportamento, a controvérsia foi exacerbada quando a IBA anunciou que Carini receberia um prémio monetário equivalente ao de medalhista de ouro. A Federação Italiana de Boxe declarou desde então que não aceitará esse dinheiro.

O que é e onde se encaixa o teste de género e de testosterona ?

Quase todas as competições desportivas são organizadas em categorias de sexo: uma feminina e uma masculina. A segregação de competições masculinas e femininas é um princípio fundamental para garantir a justiça em desportos de elite, devido às diferenças atléticas entre homens e mulheres.

Os testes de género têm sido usados ​​em competições desportivas de elite desde a década de 1920 e foram inicialmente introduzidos para garantir que os homens “não pudessem disfarçar-se de mulheres para competir em desportos femininos”. Olhando para a história dos testes de género, no entanto, os marcadores sexuais testados “mudaram conforme o conhecimento médico evoluiu ao longo das décadas”, enquadra Anne Tjønndal. “Provou-se já que vários testes de género foram provados como clinicamente imprecisos e eticamente reprováveis“.

O teste de testosterona é atualmente usado em testes de género. Atletas mulheres com muita testosterona são por vezes entendidas como tendo regulado artificialmente o seu nível de testosterona, mesmo que os seus corpos produzam naturalmente mais testosterona em comparação com outras atletas.

A procura por regulação artificial dos níveis de testosterona diz respeito “a dois grupos de atletas, em particular: mulheres trans e mulheres com variações intersexuais (mulheres com diferença no desenvolvimento sexual ou DSD)”. Atualmente, “não há nenhuma indicação que sugira que Khelif ou Yu-ting sejam afetadas por DSD”.

A disputa entre a IBA e o COI

A International Boxing Association (IBA) era anteriormente o órgão regulador do boxe amador (olímpico). Mas o Comité Olímpico Internacional (COI) retirou-lhe reconhecimento devido a preocupações persistentes sobre corrupção e questões de governança. Para as Olimpíadas de Paris, uma unidade nomeada pelo COI organiza a competição de boxe. Para os Jogos de 2028, uma outra organização – a World Boxing – deve substituir a IBA como o órgão regulador do boxe olímpico.

As disputas de poder e tensões entre a IBA e o COI levantaram questões sobre as motivações da IBA em abordar questões de elegibilidade de género no boxe olímpico. Muitos acreditam que a IBA está a usar a situação de Khelif como estratégia para minar o COI e angariar apoio global.

Como género e poder se manifestam no boxe feminino?

Historicamente, as mulheres “foram marginalizadas como atletas, treinadoras, árbitras e líderes no boxe”. Na maioria dos países, o boxe “continua a ser um desporto dominado por homens, o que frequentemente contribui para limitar as oportunidades das mulheres”, acentua Tjønndal. Uma questão urgente atual é “a falta de representação feminina em treino e liderança no boxe feminino”, sublinha Anne Tjønndal, antiga pugilista e socióloga desportiva.

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