Atletas nus e lutas até à morte: Como eram os Jogos Olímpicos no início

Nos primeiros Jogos Olímpicos, os atletas competiam nus e lutavam até à morte. Em geral, não era permitido as mulheres assistirem, embora algumas tivessem mesmo competido.

Atletas nus e lutas até à morte: Como eram os Jogos Olímpicos no início

O primeiro vencedor de que há registo nos Jogos Olímpicos foi Coroebus de Élis. “Cozinheiro de profissão, Coroebus venceu o evento ‘stadion’, uma corrida a pé de pouco menos de 200 metros, realizada em linha reta”, regista Konstantine Panegyres, professor da Universidade de Melbourne. “Coroebus foi vitorioso no ano 776 a.C., mas este não foi provavelmente o ano das primeiras Olimpíadas.”

Alguns escritores antigos, como o historiador Aristodemus de Elis (que viveu no século 2 d.C. ou antes), acreditavam que “ocorreram até 27 competições olímpicas antes de 776 a.C.”, mas os resultados nunca foram registados porque “as pessoas antes daquela época não se preocupavam com isso”. Os jogos eram realizados a cada quatro anos em Olímpia, local na Grécia Ocidental que tinha um famoso templo para o deus Zeus. Os jogos começavam em meados de agosto e “faziam parte de um festival religioso dedicado a Zeus”.

Competir pela glória

Nos primórdios das Olimpíadas, “havia apenas um evento (o ‘stadion’) e um vencedor”. Com o passar dos séculos, “outros eventos foram acrescentados, como corridas de carruagem, luta livre, corrida de longa distância e boxe”. O imperador romano Nero (37-68 d.C.) “introduziu uma competição musical em Olímpia”, de acordo com o que o biógrafo Suetônio (século ½ d.C.) informa.

Os vencedores em Olímpia ganhavam “uma coroa de oliveiras silvestres”. Ao contrário de hoje, “não havia prémios para o segundo ou terceiro classificado”.

O atleta Íccus de Tarento, que viveu no século 5 a.C. e obteve a vitória no pentatlo nas Olimpíadas de 476 a.C., terá afirmado que para ele “os prémios significavam glória, admiração durante a vida e, após a morte, um nome honrado”. A maioria dos homens competia pelos prémios, e algumas mulheres também participavam.

Cinisca, filha do rei Arquídamo II de Esparta, “foi a primeira mulher a conquistar uma vitória olímpica”. Recebeu o prémio porque “os cavalos que treinou venceram a corrida de bigas no ano de 396 a.C.”, como escreveu o viajante Pausânias (século 2 d.C.). “Cinisca tinha uma ambição excessiva de ter sucesso nos jogos olímpicos e foi a primeira mulher a criar cavalos e a primeira a conquistar uma vitória olímpica. Depois de Cinisca, outras mulheres conquistaram vitórias olímpicas, mas nenhuma delas se destacou mais pelas suas vitórias do que ela.”

Competir nos Jogos Olímpicos era perigoso

Lúcio Anneo Sêneca (c. 50 a.C. a 40 d.C.) descreve como um pai perdeu os dois filhos no pancrácio, um tipo de desporto de combate que era “uma mistura violenta de boxe e luta livre”. “Um homem treinou os dois filhos como pancracistas e apresentou-os para competir nos jogos olímpicos. Foram colocados em pares para lutar um contra o outro. Foram mortos e foram-lhes decretadas honras divinas.”

Como se assistia aos jogos

As pessoas “viajavam de longe para ver os atletas a competirem nos jogos”. O retórico Menandro (século ¾ d.C.) disse sobre os jogos olímpicos que “a viagem até lá é muito difícil, mas mesmo assim as pessoas arriscam”. Em 44 a.C., o estadista romano Cícero (106-43 a.C.) escreveu uma carta ao amigo Ático sobre o planeamento de uma viagem à Grécia para ver os jogos.

“Gostaria de saber a data dos jogos olímpicos. É claro que, como você diz, o plano da minha viagem dependerá do acaso.” Cícero nunca chegou a ir às Olimpíadas – foi interrompido por outros afazeres. “Se ele tivesse ido, a viagem teria envolvido uma travessia marítima da Itália para a Grécia e, a seguir, um passeio de carruagem até Olímpia.”

Uma vez em Olímpia, os viajantes “ficavam em casas de hospedagem com outros viajantes”. “Misturavam-se com estranhos e faziam novos amigos. Há uma história famosa sobre o que aconteceu quando o filósofo Platão (428/427-348/347 a.C.) ficou em Olímpia para os jogos.

Platão viveu por lá com outras pessoas que não sabiam que ele era o célebre filósofo e causou boa impressão, como o escritor romano Cláudio Eliano.) (século 2/3 d.C.) lembrou. “Os estranhos ficaram encantados com o encontro casual. Ele comportou-se com modéstia e simplicidade e provou ser capaz de conquistar a confiança de qualquer pessoa na sua companhia.”

Mais tarde, Platão convidou os novos amigos “para irem a Atenas e eles ficaram surpresos ao descobrir que ele era de fato o famoso filósofo aluno de Sócrates”.

Não se sabe ao certo quantas pessoas realmente visitavam os jogos antigos em cada vez que eram realizados, embora alguns estudiosos modernos acreditem que o número poderia ter chegado a 50 mil em alguns anos.

O escritor grego Caritão (século 1 d.C.), no seu romance Calírroe, escreveu como os atletas – que muitas vezes também fizeram uma longa jornada para chegar aos jogos – chegavam a Olímpia: “com uma escolta de apoiantes”. “Os atletas competiam nus e, em geral, não era permitido que as mulheres assistissem”, assinala Konstantine Panegyres.

“Havia algumas exceções. Por exemplo, uma mulher chamada Pherenice, que viveu no século 4 a.C., tinha permissão para assistir às Olimpíadas como espetadora.” Cláudio Eliano explica que “Pherenice levou a filha ao festival olímpico para competir”. “Os oficiais que presidiam ao evento recusaram-se a admiti-la como espetadora, mas ela falou em público e justificou o seu pedido, sublinhando que o pai e três irmãos eram vencedores olímpicos e que ela estava trazia um filho competidor. Conquistou a assembleia e participou do festival olímpico.”

Como a competição era realizada no meio do verão, o tempo estava extremamente quente. De acordo com Cláudio Eliano, algumas pessoas pensavam que assistir às Olimpíadas sob “o calor escaldante do sol” era uma «penalidade muito mais severa» do que ter de fazer trabalhos manuais, como moer grão”.

O local em Olímpia também tinha problemas com abastecimento de água doce. De acordo com o escritor Luciano de Samósata (século 2 d.C.), os “visitantes dos jogos às vezes morriam de sede”. “O problema foi resolvido quando Herodes Ático construiu um aqueduto para o local em meados do século 2 d.C”, esclarece Panegyres.

“A atmosfera da multidão era eletrizante. O general e político ateniense Temístocles (século 6/5 a.C.) terá considerado que o momento mais agradável da sua vida foi ‘ver o público em Olímpia virando-se para me olhar quando eu entrava no estádio’. Elogiaram quando ele visitou os jogos em Olímpia por causa da sua recente vitória contra os persas na batalha de Salamina (480 a.C.).”

Quando os jogos terminavam, os atletas vencedores voltavam para casa e recebiam boas-vindas de herói. De acordo com Cláudio Eliano, quando o atleta Dioxipo (século 4 a.C.) regressou a Atenas depois de ser vitorioso no pancrácio em Olímpia, “uma multidão reuniu-se vinda de todas as direções” da cidade para celebrá-lo.

O fim dos jogos antigos

O historiador romano Veleio Patérculo (nascido em 20/19 a.C.) descreveu os jogos olímpicos como “a mais celebrada de todas as competições desportivas”. As pesquisas atuais sugerem que os jogos antigos terminaram provavelmente no reinado do imperador romano Teodósio II (reinou de 408 a 450 d.C.).

“Pode ter havido uma série de motivos para o fim, mas algumas fontes antigas dizem especificamente que foi causado por um incêndio que destruiu o templo de Zeus em Olímpia durante o reinado de Teodósio II”, explica Panegyres. “Depois de o templo de Zeus Olímpico ter sido incendiado, o festival de Élis e a competição olímpica foram abandonados.” As Olimpíadas não foram retomadas até 1896, ano dos primeiros Jogos Olímpicos da Era moderna.

The Conversation

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