“Disse à minha mulher que queria mudar de sexo”

“Foi graças a falar com a minha mulher que aceitei que queria mudar de sexo porque era transgénero” – pessoa cuja identidade de género não corresponde ao sexo com que se nasce.

Larry foi homem até aos 41 anos de idade. É casado e tem quatro filhos, três raparigas e um rapaz. Há 5 anos, mudou de género. Mudar de género não é o mesmo do que mudar de sexo. Larry ainda tem o órgão sexual masculino, mas no resto é mulher.

Para ler depois
Criança transgénero desfila de saltos altos e arrebata Parada Pride [vídeo]
Uma criança transgénero de 7 anos, Milan Tyler, arrebatou a Pride Parade de Los Angeles. Desfilou em saltos altos e foi aplaudida por milhares de participantes (… continue a ler aqui)

“Queres ser mulher?” Foi esta a pergunta de Jennifer que mudou para sempre a vida de Larry, que agora se chama Lawren. Após 28 anos juntos, dos quais 22 de casamento, foi preciso Jennifer questionar o marido para que o mais profundo desejo dele ganhasse voz. Apesar de não ter sido uma “revelação”, Lawren só percebeu o quanto necessitava da mudança quando o ouviu em voz em alta. “Foi por falar com a minha mulher que aceitei que era transgénero – pessoa cuja identidade de género não corresponde ao sexo atribuído à nascença”, recorda Lawren.

“Tinha medo de perder a minha mulher e os meus filhos”

mudar de sexo
Lawren e Jennifer

Apesar de a aceitação de Jennifer ter sido o grande impulsionador para o marido ter dado o primeiro passo para ser Lawren, a necessidade de mudar de género estava presente “desde miúdo”. “Sempre tive questões relacionadas com a minha identidade de género. Mas quando era mais novo não tinha a linguagem ou as ferramentas para explicar e perceber o que sentia. Portanto, reprimi muita coisa e tentei sempre ser um rapaz ‘normal’ com os outros”, explica Lawren.

Ainda que não possa dizer que teve “uma infância fácil”, tendo em conta que os pais se separaram quando tinha apenas três anos, Lawren recorda que teve uma mãe e um padrasto muito presentes. E que lhe proporcionaram uma “vida feliz e saudável”. Independentemente de ter tido “educação conservadora”, Lawren acredita que o facto de “não conhecer ninguém transgénero ou da comunidade LGBTQI+” o manteve muito tempo na ignorância.

“Não consegui perceber ou verbalizar que era uma mulher presa no corpo errado”

Lawren conheceu Jennifer quando entrou na faculdade, no curso de Direito, e o amor que sentiu pela companheira “adormeceu a dor e as dúvidas” que tinha. Apaixonada e com as vidas emocional e profissional estáveis, Lawren acreditou por muitos anos “que não havia solução” para ele e tentou aceitar que “tinha de viver o resto da vida como era”.

Com o tempo, chegaram três filhas, duas das quais gémeas, e o ritmo de ser pai e advogado preenchia a sua cabeça “a 100%”. No entanto, em 2009, quando nasceu Lawson, o único rapaz do casal, as questões enterradas no passado regressaram, deixando Lawren numa “crise interna” que não tinha previsto. “Senti-me completamente perdido. Parecia que não sabia como ser pai para o meu filho. Questionei-me se conseguiria ser uma figura paternal positiva para ele. Não sabia como ser um homem para ele. E foi nesse momento que entrei em depressão.”

À medida que o filho mais novo ia crescendo, Lawren “caminhava para uma depressão mais profunda”. Em 2012, na tentativa de “encontrar formas de aliviar a dor”, começou a “abusar do consumo de bebidas alcoólicas” e a isolar-se da família. Cada vez mais preocupada com a saúde mental do marido, Jennifer chegou ao ponto em que a preocupação só se podia tornar em desespero. E foi então que decidiu “pressionar Lawren até obter respostas”.

“Quando tivemos a primeira conversa, fiquei devastada”

Jennifer e Lawren

Foi numa tarde de outubro em 2015 que o casal, residente no estado de Virginia, nos Estados Unidos, enfrentou uma nova vida, longe do dia em que se conheceram com 19 anos numa entrevista para empregados de mesa num cruzeiro. Nesse dia, o casal confrontou-se com mais do que o futuro da relação ou da familia perante o processo de Lawren se tornar mulher fisicamente e legalmente. O casal tomou decisões, pelas quais teve de se “enfrentar individualmente” com os seus “valores e crenças mais intrínsecas e estruturais”. Mas, acima de tudo, cada um teve de avaliar o que sentia no meio de tanta incerteza.

Terão sido a “honestidade” e o “amor” que fizeram com que o casal sobrevivesse àquela tarde de outono. Contudo, daquele “decisivo” e “arrebatador” dia, algo ficou claro. Lawren e Jennifer, agora com 47 e 44 anos, amavam-se e iam passar juntos pelo futuro inesperado, mas inevitável. “Não consigo imaginar a minha vida sem a Jennifer. Somos um só. Não sei onde é que eu acabo e ela começa”, afirma Lawren, procurando palavras para caracterizar a relação. Essa aceitação, todavia, não deixou de ser forjada em lágrimas e incertezas. “Não foi fácil. Passei muitas horas devastada a chorar”, relembra Jennifer. “Fiquei aliviado, mas ao mesmo tempo aterrorizado”, acrescenta Lawren.

“Quisemos logo contar aos nossos filhos” sobre a decisão de mudar de sexo

“Começámos tudo muito devagar. Primeiro, fui fazer terapia. Depois, quando eu e a Jennifer já tínhamos tudo mais ‘arrumado’ e delineado, comecei a contar à família e a pessoas que nos eram muito próximas, uma por uma”, lembra Lawren. Com medo do preconceito e de “perder quem amava”, garante que um dos maiores desafios foi, “sem dúvida, contar aos outros” que se ia assumir mulher.

Antes de lidar com o mundo exterior, o casal considerou que contar aos filhos de uma forma “apropriada para as suas idades” era “a maior prioridade”. Acima de tudo, Não queriam que esta nova informação os “afetasse negativamente a nível psicológico”. “Primeiro, dissemos à nossa filha mais velha. Ela reagiu muito bem. Até acho que ficou aliviada por saber que não fazia parte do problema pelo qual ela via que eu estava a passar. E depois contámos às gémeas, que tinham 9 anos. Demorei mais tempo a expor a situação ao nosso filho. Mas quando lhe explicámos, as nossas filhas também estavam lá e acabou por ser um momento muito íntimo”, disse Lawren.

Do tratamento hormonal às transformações físicas

mudar de sexo
Lawren no programa Lost In Transition, do TLC

O passo que se seguiu foi dar início ao tratamento hormonal, que marca o primeiro degrau da transformação física. Hoje, Lawren sentiu que lhe foi devolvida “uma certa paz” e a dor que o consumia foi-se “atenuando”. Tudo graças às modificações no seu corpo. “Sinto-me muito mais confortável na minha pele. Perdi grande parte dos meus pelos corporais e cresceram-me mamas. Ajudou-me a estar motivado e a ter forças para andar para frente”, contou.

Contudo, nem todas as alterações foram as esperadas. No decorrer do tratamento hormonal, pelo qual ainda está a passar, Lawren tem sofrido “alguns efeitos secundários comuns”. A “falta de libido” tem sido um deles. “Não tenho tido hipótese de redescobrir a minha sexualidade. Mas sinto que ter tomado esta consciência, em termos de preferências sexuais, em nada mudou. Continuo a sentir-me atraída pela Jennifer”, garante.

mudar de sexo
Lawren no programa Lost in Transition, da TLC

Para Jennifer as novas característica físicas da parceira representam um “desafio não esperava”. “Está a ser mais difícil  do que pensei. Nunca tinha percebido o quão heterossexual era até hoje. Tem sido um problema, porque não me sinto atraída por mulheres. Esta tem sido uma das grandes questões na nossa relação, a que ainda não conseguimos dar resposta”, desabafa Jennifer. No entanto, Jennifer esclarece que o maior desafio tem sido admitir que tinha “perdido o marido” ainda que “sabendo que era a mesma pessoa”.

“O maior desafio foi perceber que muitas das razões pelas quais me tinha apaixonado pelo meu marido estão relacionadas com quem ela é enquanto pessoa. Muitas dessas qualidades, que admiro e pelas quais me sinto atraída, podem ser mais associadas ao género feminino. Ela sempre foi sensível e carinhosa. Apresentava-se masculina, mas nunca se portou de forma masculina. Portanto, recordar que esta é a mesma pessoa que ninguém escolhe ‘ser’, e que Lawren sempre foi mulher, nem sempre é fácil”, confessa.

“O que tenho percebido é que tenho sido o meu maior crítico”

Inseridos numa comunidade religiosa, o preconceito para o casal parece uma realidade que nunca passou de um medo dado com garantindo. “Em relação a um possível estigma social, a minha experiência tem sido incrível. Não me sinto discriminada. Por exemplo, os nossos filhos andam numa escola católica e todas as pessoas têm sido impecáveis”, declara Lawren.

Concluindo, em retrospetiva, Lawren acredita que o maior desafio com que se deparou até hoje foi enfrentar-se a si próprio e libertar-se dos seus medos. “O que tenho percebido é que tenho sido o meu maior crítico. Vivia apavorada com o que iam dizer de mim. Estava sempre a avaliar o que poderiam estar a pensar de mim ou se estavam a julgar-me. E, apesar de vivermos numa comunidade bastante conservadora, todas as pessoas têm sido extremamente profissionais e, em muito casos, até carinhosas, para minha surpresa”, reforça.

Operação para mudar de sexo «é extremamente cara e não está coberta pelo seguro de saúde» nos EUA

Aceites pela família e tratados com respeito pela sociedade, Jennifer e Lawren exploram agora um certo “nível de estabilidade perante todas as mudanças” pelas quais passaram nos últimos dois anos e a mudança de sexo, que exige uma cirurgia ao pénis, é um passo que consideram. “No meu caso, há várias hipóteses e posso recorrer a cirurgia. No entanto, é extremamente cara e não está coberta pelo seguro de saúde. É algo que temos de considerar, tendo em conta as necessidades da nossa família”, destaca Lawren.

Há dois anos, o casal aceitou participar num programa documental do canal TLC. Com o objectivo de “normalizar o discurso e a noção do que é passar por um processo de mudança de género”, Jennifer e Lawren esperam ter conseguido “demonstrar que um transgénero também pode ser feliz e livre dentro de uma família tipicamente tradicional”. “Se conseguirmos abrir uma mente ou salvar a vida de uma pessoa, já valeu a pena”, afirma Jennifer. “Para quem esteja a pensar passar pela transição, lembre-se de que não é algo que tenha por que passar-se sozinho. Aliás, não somos só nós que mudamos. A minha mulher, a minha família e os meus amigos estão também a mudar comigo. Este não é um processo de uma só pessoa”, aconselha Lawren.

Mudança de sexo “não é um processo de uma só pessoa”

Para ler também
“Chamo-me Bruna, sou estudante e faço pornografia ao vivo e em direto” [vídeo]
“Faço pornografia ao vivo e em direto.” Bruna Valentino conta sem preconceitos nem tabus ao Portal de Notícias como é ser trabalhadora do sexo online em Portugal (… continue a ler aqui)

Junte-se a nós no Instagram

Impala Instagram


RELACIONADOS