Macau/25 Anos: Pequim “tem respeitado” o que acordou com Portugal – embaixador Santana Carlos
António Santana Carlos, último líder português no “grupo de ligação”, que negociou com a China a transição de Macau para a administração chinesa, considera que Pequim “tem respeitado” o que acordou com Portugal.
O embaixador sublinha como “muito importante” a manutenção do português como língua oficial no território durante os 50 anos do período de transição conseguida nessas negociações, mas reconhece que não há hoje em Portugal “o mesmo interesse” por Macau “que havia antigamente”.
“Enfim, não há o mesmo interesse do lado português que havia antigamente, em que tínhamos lá um governador, etc. Mas a China tem respeitado, julgo eu, os interesses da população de origem portuguesa que continua em Macau. Portanto, a minha avaliação é positiva” disse em declarações à Lusa.
A “meio da ponte” do período de 50 anos acordado pela China e Portugal numa “declaração conjunta” com valor de tratado, depositada nas Nações Unidas, o diplomata considera que, até agora, nos últimos 25 anos, “a China respeitou aquilo que foi acordado”.
Relativamente a essa negociação, recordou que “teve alguns momentos difíceis, designadamente na regulamentação das duas línguas oficiais”.
“A China considerava o chinês e o português como línguas oficiais na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), mas era preciso que houvesse uma definição [formal] porque, senão, quais seriam as garantias?”, deixou no ar.
O momento revestiu-se de particular dramatismo, como decorre da descrição de Santana Carlos: “Foi numa negociação em Pequim, numa reunião em que insisti de tal maneira que, se a China não aceitasse negociar a regulamentação, a reunião acabava ali. Enfim, passada uma hora, os chineses voltaram à reunião e, a partir daí, começámos essa negociação da regulamentação oficial das duas línguas oficiais. Foi o momento talvez mais tenso, mas as negociações decorreram, de uma forma geral, bem”, disse.
Santana Carlos foi embaixador de Portugal em Pequim entre 2002 e 2006, pelo que acompanhou de perto os primeiros anos da transição, mas desde aí, confessou também, não tem acompanhado “com a mesma proximidade” os processos paralelos da administração chinesa de Macau e de Hong Kong.
“Acho que as coisas têm corrido bem” em Macau, disse, no entanto.
Já quando confrontado com as implicações nos dois territórios das vagas de protestos em Hong Kong em 2019, que resultaram nomeadamente na constituição da lei de segurança nacional no antigo território sob administração britânica, em vigor desde março último, e fortemente restritiva da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais, segundo a generalidade dos observadores, Santana Carlos avisou para “não se comparar o que aconteceu em Hong Kong com o que aconteceu em Macau”.
“Obviamente, são cenários diferentes. Acho que acabou por se ultrapassar esse problema”, acrescentou o diplomata português.
Perante estes cenários de fundo, o embaixador descreve a relação entre Portugal e a China como “normal” e “estável”, apesar de “alguns altos e baixos”.
A forma como decorressem os processos de transição em Macau e Hong Kong foi amplamente vista como o paradigma que Pequim pretendia mostrar ao mundo estar disposto a levar por diante para resolver a questão de Taiwan.
A reação aos eventos de Hong Kong e as respostas legislativas consequentes, não apenas nesse território, mas também em Macau, seguindo o princípio de um “Macau governado por patriotas”, que se traduziu nas alterações à lei eleitoral, comprometeram, na opinião de muitos observadores, a estratégia de Pequim para Taiwan.
Santana Carlos diz que “são situações diferentes, porque eram dois países europeus que tinham posições naquela região do mundo, o Reino Unido e Portugal, ao passo que os taiwaneses são chineses. Portanto, têm uma posição própria e de autonomia” em relação à China.
“Será mais difícil haver um entendimento entre a China e Taiwan nos tempos mais próximos”, acrescentou o diplomata.
Num olhar para os próximos 25 anos de transição, Santana Carlos disse que Macau “será sempre um meio especial, diferente”, para as relações políticas e económicas de Portugal e dos países lusófonos com a China, mas pouco mais do que isso, porque “a China tem uma visão muito completa do que lhe interessa”.
Exemplo, desse “choque de realidade” são os resultados mitigados do Fórum de Macau, uma instituição de inspiração chinesa — como Santana Carlos e Pedro Catarino, um antecessor seu no “grupo de ligação” explicam em entrevistas separadas publicadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros — que se propunha juntar a China e Portugal em parcerias de investimento que aproveitassem aos países africanos lusófonos.
“É a vida, quer dizer, pouco mais se pode fazer. A evolução das situações tem sempre a ver com os interesses de uns e de outros e não podem ser formalizadas, ou não podem ser criadas expectativas para além daquilo que é efetivamente a realidade”, disse.
“Essa proximidade de Macau pode facilitar alguns entendimentos, que, de outra maneira, não teriam lugar ou não seriam viáveis. Mas é pouco mais do que isso”, considerou o embaixador.
“A saída da administração portuguesa de Macau significou um afastamento e uma entrada muito mais rigorosa da China naquela região, tal como aconteceu em Hong Kong, que tem uma dimensão muito maior”, começou por dizer o diplomata.
“Apesar de tudo, é sempre um valor a que nós nos devemos agarrar para valorizar o nosso diálogo com a China, através de contactos empresariais, através de uma proximidade política entre os governos das duas capitais, Pequim e Lisboa”, considera.
“Apesar de tudo, Macau é sempre um elemento de ligação maior entre Portugal e a China, mas não há que esperar daí muito. Quer dizer, as coisas o que são”, rematou António Santana Carlos.
APL // JMC
By Impala News / Lusa
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