Casa de abrigo para mulheres com deficiência acolhe sete pessoas e é caso único no país

A única casa de abrigo no país para mulheres com deficiência vítimas de violência doméstica acolhe sete mulheres que ali estão a salvo das agressões físicas, psicológicas ou sexuais de que eram alvo por quem devia cuidar delas.

Casa de abrigo para mulheres com deficiência acolhe sete pessoas e é caso único no país

“Sinto-me bem aqui. Gosto muito de aqui estar”, conta M. à Lusa, recordando que está na casa de abrigo “há meio ano”, para onde foi por causa dos “maus tratos” infligidos por parte do companheiro, com quem vivia.

Gosta de estar na casa e diz que se dá bem com todas as companheiras. Num registo um pouco acelerado e repetitivo, revela que todos os dias reza a Nossa Senhora de Fátima, da qual tem uma imagem na mesa-de-cabeceira e à qual pede ajuda “para o resto da vida”.

“Eu quero que a Nossa Senhora me ajude enquanto estou aqui e que ajude as minhas irmãs para que elas saibam que eu estou bem entregue”, diz M.

M. é uma das sete mulheres que vivem nesta casa, todas de zonas distintas do país, mas que em comum têm o facto de terem sido maltratadas ou abusadas pelas pessoas que reconheciam como cuidadoras e de quem dependiam, muitas vezes nas atividades mais básicas.

A casa, escolhida para receber os donativos da sexta edição da iniciativa ‘Uma Imagem Solidária’ do fotojornalista da agência Lusa António Cotrim, é igual a tantas outras, mas como as mulheres que nela habitam são totalmente dependentes, com deficiências intelectuais severas e, em alguns casos, dificuldades motoras, há uma funcionária, da instituição que gere a casa de abrigo, em permanência.

O dia-a-dia divide-se entre a casa onde moram e as atividades ou o acompanhamento de que precisam na instituição, uma cooperativa de educação e reabilitação de cidadãos com incapacidades (CERCI), que dá apoio a milhares de pessoas, dispersas por cinco concelhos, com respostas que vão desde um Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI), uma escola de ensino especial, apoio domiciliário ou formação profissional, entre muitas outras.

Ana Lopes, coordenadora da casa de abrigo, explicou à Lusa que é preciso fazer um trabalho muito mais individualizado, porque à parte de todos os serviços típicos de uma estrutura deste género — como a alimentação, o alojamento ou a segurança — é preciso ter em conta as necessidades e características de cada pessoa.

“A maior parte delas, quando vem, não percebe porque veio para aqui (…) e na maior parte das situações que são sinalizadas não são elas que fazem a denúncia, mas sim terceiras pessoas ou terceiras entidades”, revelou.

A razão para essa falta de noção está, explicou a responsável, precisamente no facto de grande parte destas mulheres “não reconhecerem aquela situação como sendo uma situação de violência”, o que obriga a que seja feito trabalho específico, tendo em conta as capacidades cognitivas de cada uma, para que “percebam a diferença entre o que são relações mais abusivas e o que são interações normais ou relações de conjugalidade”.

O psicólogo da instituição adiantou que é preciso adaptar a intervenção a cada situação e a cada história de vida, tentando perceber o que aquelas mulheres sentem, qual a situação em que estavam e, a partir daí, tentar estabelecer metas em termos de equilíbrio emocional e de um ambiente mais seguro.

“Acreditamos mesmo, estamos convictos, que se as pessoas com deficiência estiverem informadas e forem esclarecidas, se falarmos sobre o assunto, elas ficam menos propensas a passar por uma situação de abuso e de maus-tratos”, defendeu Pedro Galveias, acrescentando que a instituição já tinha trabalho feito nessa matéria, que depois foi aprofundado para as questões da violência doméstica.

O profissional salientou que, com as mulheres com deficiência, constata-se uma dependência de cuidados, além da dependência emocional, financeira ou conjugal comuns nos casos de violência doméstica, porque aquelas pessoas são totalmente dependentes de quem cuida delas.

Todas as sete mulheres na casa de abrigo têm isso em comum: quem as agrediu física, psicologia ou sexualmente foi quem cuidava delas e de quem elas dependiam. Num caso os progenitores, noutro os irmãos, noutro o cônjuge.

“Aquelas pessoas ficam sem qualquer retaguarda, sem qualquer apoio e sem capacidade de sobrevivência, sem ter apoio de serviços ou de outras pessoas para assegurar as suas necessidades”, salientou Ana Lopes.

A coordenadora chamou igualmente a atenção para o facto de, ao contrário do que acontece com outras vítimas de violência doméstica, o futuro de grande parte destas mulheres não passar pela sua autonomização, uma vez que precisam de ajuda para tarefas como tomar banho, vestir-se ou comer.

Das 13 pessoas que, desde 2018, passaram por esta casa de abrigo, apenas para uma foi possível definir um plano de autonomização e em dois outros casos foi possível a saída para outras respostas de apoio, o que significa que a maior parte das mulheres que ali chegam ficam muito para lá do tempo inicialmente previsto.

D. é um desses casos. Vive há cerca de três anos na casa de abrigo, para onde foi por ser vítima de agressões físicas por parte do progenitor com quem vivia, gosta das colegas, sobretudo daquela com quem partilha quarto, é ali que se sente segura, mas preocupa-a o futuro.

“Não posso estar aqui sempre e o problema é esse. Gosto de estar aqui, mas não sei para onde vou, está complicado”, conta.

Ana Lopes, que acompanha a conversa, acrescenta que desde o inicio do mês os técnicos têm falado com D. sobre algumas possibilidades de resposta para o futuro, mas sobre as quais ainda é preciso pensar e avaliar.

Explicou que estas pessoas estão sempre dependentes do apoio de serviços externos, sejam de âmbito residencial, residências, lares residenciais, residências autónomas, famílias de acolhimento ou até centros de apoio à vida independente.

Segundo a coordenadora, entre as pessoas que passaram ou que estão na casa, já houve casos elegíveis para qualquer uma daquelas respostas e em todos foi tentado o encaminhamento para as zonas do país onde residiam, “para também não haver uma desvinculação completa ao que a pessoa estava habituada”.

“O problema é que não há vagas nestes serviços e estas pessoas dependem destes apoios para sobreviverem. Enquanto não estiverem reunidas essas condições, elas não podem sair daqui”, salientou.

A diretora executiva desta CERCI, Luísa Carvalho, admite que as sete vagas “são manifestamente insuficientes” e aguarda para ver quando é que este projeto passa de piloto para ter expressão a nível nacional.

SV // FPA

By Impala News / Lusa

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