Terra está a reter muito mais calor do que preveem os modelos climáticos – taxa dobrou em 20 anos
Novas investigações sugerem que alterações nas nuvens são um fator importante para o cada vez mais veloz aquecimento da Terra. estão a diminuir as nuvens brancas com efeito refletor e a aumentar as nuvens desordenadas e menos refletoras. Mas porquê?

Como medir as alterações climáticas na Terra? Uma das formas é registar as temperaturas em diferentes locais ao longo de um período longo. Embora isto funcione bem, a variação natural pode dificultar a visualização de tendências de longo prazo.
Outra abordagem, porém, pode dar-nos uma ideia muito clara do que está a acontecer: monitorizar quanto calor entra na atmosfera da Terra e quanto sai. Este é o balanço energético da Terra, que está hoje completamente desequilibrado. Em junho, por exemplo, cerca de um terço das estações meteorológicas de Portugal continental ultrapassaram ou igualaram, no fim de semana de 28 e 29, os anteriores máximos históricos de temperatura máxima, segundo o IPMA.
A recente investigação de três especialistas na área – Steven Sherwood, professor de Ciências Atmosféricas do Centro de Pesquisa de Alterações Climáticas, Benoit Meyssignac, investigador de Ciências do Clima, e Thorsten Mauritsen, professor de Ciência Climática – constatou que este desequilíbrio mais do que duplicou nos últimos 20 anos.
Outros investigadores chegaram às mesmas conclusões. Este atual desequilíbrio é substancialmente maior do que os modelos climáticos sugeriam, provocando ondas de calor que podem afetar de forma grave, e até mortal, a saúde humana e que obrigam o nosso corpo a reagir. E, por exemplo, no domingo, 29 de junho, foi atingido em Mora, distrito de Évora, um novo extremo absoluto para o mês de junho em Portugal continental, com a estação meteorológica a marcar 46,6° centígrados.
Em meados dos anos 2000, o desequilíbrio energético era de cerca de 0,6 watts por metro quadrado (W/m²), em média. Nos últimos anos, a média foi de cerca de 1,3 W/m² – o que significa que que a taxa de acumulação de energia perto da superfície do Planeta duplicou. Estas descobertas sugerem que as alterações climáticas podem acelerar ainda mais nos próximos anos. Ainda pior, este desequilíbrio preocupante está a emergir mesmo com a incerteza financeira nos Estados Unidos da América a ameaçar a nossa capacidade de rastrear os fluxos de calor.
Energia de entrada e energia de saída da Terra
O orçamento energético da Terra funciona sensivelmente como a nossa conta bancária, onde o dinheiro entra e sai. Se reduzirmos os gastos, acumularemos dinheiro na conta. Aqui, a energia é a moeda. A vida na Terra depende de um equilíbrio entre o calor do Sol que entra e o calor que sai. Este equilíbrio está a inclinar-se para um lado. A energia solar atinge a Terra e aquece-a. Os gases com efeito de estufa que retêm o calor na atmosfera retêm parte dessa energia.
A queima de carvão, petróleo e gás adicionou entretanto mais de dois biliões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa à atmosfera. Estes gases retêm cada vez mais calor, impedindo a sua saída. Apesar de representar uma fração mínima, parte deste calor extra está a aquecer a Terra ou a derreter gelo marinho, glaciares e mantos de gelo. Cerca de 90% foi para os oceanos devido à sua enorme capacidade calorífica.
A Terra libera naturalmente calor de várias formas. Uma delas é refletindo o calor recebido das nuvens, da neve e do gelo de volta para o espaço. A radiação infravermelha também é emitida de volta para o espaço. Desde o início da civilização humana até há apenas um século, a temperatura média da superfície era de cerca de 14°C. O desequilíbrio energético acumulado elevou as temperaturas médias em 1,3 a 1,5°C.
Rastreamento mais rápido que os modelos

Os cientistas acompanham o orçamento energético de duas maneiras. Primeiro, pode medir-se diretamente o calor que vem do Sol e regressa para o Espaço, através de radiómetros sensíveis dos satélites de monitorização. Este conjunto de dados e os seus antecessores datam do final da década de 1980. Em segundo lugar, pode rastrear-se com precisão a acumulação de calor nos oceanos e na atmosfera através de leituras de temperatura. Milhares de robôs flutuantes monitorizam as temperaturas nos oceanos do Mundo desde a década de 1990. Ambos os métodos mostram que o desequilíbrio energético cresceu rapidamente.
A duplicação do desequilíbrio energético foi um choque, porque os modelos climáticos sofisticados que usamos não previram uma alteração tão acentuada e tão rápida. Normalmente, os modelos preveem menos da metade das alterações a que assistimos na realidade.
Por que mudou tudo tão depressa?
Ainda não há uma explicação completa, mas novas investigações sugerem que alterações nas nuvens são um fator importante. As nuvens têm um efeito de arrefecimento geral. Porém, a área coberta por nuvens brancas altamente refletoras diminuiu e, simultaneamente, aumentou a área de nuvens desordenadas e menos refletoras.
Não é claro por que estão as nuvens a mudar. Um fator possível pode ser as consequências dos esforços bem-sucedidos para reduzir o enxofre no combustível para navios a partir de 2020, já que a queima do combustível mais poluente pode ter tido um efeito de clareamento nas nuvens. No entanto, o desequilíbrio acelerado no orçamento energético começou antes dessa mudança.
Flutuações naturais no sistema climático, como a Oscilação Decadal do Pacífico, também podem estar a desempenhar o seu papel. Finalmente – e o mais preocupante – as alterações nas nuvens podem ser parte de uma tendência causada pelo próprio aquecimento global. Um seja, um feedback positivo sobre as alterações climáticas.
O que significa isto?

Estas descobertas sugerem que os últimos anos extremamente quentes não são eventos isolados, mas podem refletir um aumento do aquecimento na próxima década, ou até mais. O processo significará uma probabilidade maior de impactos climáticos mais intensos, como ondas de calor intensas, secas e chuvas extremas em terra, além de ondas de calor marinhas mais intensas e duradouras.
O desequilíbrio pode levar a consequências piores a longo prazo. Novas investigações revelam que os únicos modelos climáticos que se aproximam da simulação de medições do ‘mundo real’ são aqueles com maior sensibilidade climática. Ou seja, estes modelos preveem um aquecimento mais severo para além das próximas décadas em cenários em que as emissões não sejam reduzidas rapidamente. Apesar de tudo, ainda não se sabe se há outros fatores em jogo. É cedo para afirmar definitivamente que estamos numa trajetória de alta sensibilidade.
De olhos no céu
Conhece-se a solução há muito tempo: acabar com a queima rotineira de combustíveis fósseis e eliminar gradualmente as atividades humanas que causam emissões, como a desflorestação. Manter registos precisos por longos períodos de tempo é essencial se quisermos detetar mudanças inesperadas. Os satélites, em particular, são o nosso sistema de alerta antecipado, informando-nos sobre alterações no armazenamento de calor cerca de uma década antes das de outros métodos. E finalmente outra preocupação: o negacionismo: cortes no financiamento e mudanças drásticas de prioridades nos Estados Unidos da América podem vir a ameaçar a monitorização climática essencial por satélite.
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