Cordão humano frente à Sé de Lisboa” sábado de manhã contra obras em curso
Várias personalidades da área do património cultural, nomeadamente arqueólogos, organizam no sábado, a partir das 11:00, um “cordão humano em frente à Sé Catedral de Lisboa”, de alerta para as obras em curso, de “recuperação e valorização” do claustro.
Cordão humano frente à Sé de Lisboa” sábado de manhã contra obras em curso no claustro. Os organizadores, entre os quais a arqueóloga Jacinta Bugalhão e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, Regis Barbosa, afirmam que “este projeto (arquitetura e estruturas) [se] revela incompatível com a preservação e valorização de algumas das mais importantes estruturas arqueológicas aí conservadas (de período Romano, Islâmico e Medieval Cristão), ameaçadas pela construção de escadas e rampa de acesso entre a cripta arqueológica e o Claustro e de um piso subterrâneo e respetivos acessos”.
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Apresentado em conferência de imprensa, em 29 de novembro do ano passado, o projeto em curso, como então defendeu o diretor-geral do Património Cultural, João Carlos Santos, tinha conseguido conciliar “o melhor de dois mundos”, nesta segunda versão, permitindo “mostrar mais um terço do que estava previsto, dos vestígios arqueológicos”, e ao tornar “o problema” da proposta inicial “uma solução”.
Para os arqueólogos que subscrevem a convocatória para sábado próximo, porém, o alerta mantém-se: “Além da afetação das estruturas arqueológicas já colocadas a descoberto, na área sudeste do Claustro, no subsolo, subsiste por escavar cerca de um metro em profundidade, o que colocará a descoberto novas estruturas arqueológicas de época romana e consequentemente, também, a sua destruição”.
“O Património Arqueológico conservado sob o Claustro da Sé Catedral de Lisboa, com incalculável valor histórico e patrimonial e elemento fundamental da nossa memória e identidade coletivas, encontra-se em perigo iminente de destruição”, defendem.
O protesto no sábado é uma das ações do movimento cívico “Apoiar a Sé de Lisboa 2022”, de “defesa da preservação e adequada valorização do património arqueológico da Sé e que se encontra ameaçado pelo projeto em curso, e que deveria visar a musealização e valorização desse mesmo património”, lê-se no comunicado hoje divulgado.
Os promotores criticam a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) que, na sua opinião, “se tem demonstrado incapaz de encontrar soluções que garantam, simultaneamente, a estabilidade e segurança da Sé de Lisboa e seu Claustro, Monumento Nacional, e a preservação e valorização integral de todo o conjunto arqueológico, igualmente abrangido pela classificação” como Monumento Nacional.
Em novembro, quando da apresentação da nova versão do projeto, o responsável da DGPC, garantiu que as alterações ao inicial tinham sido já levadas à Secção do Património Arquitetónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura, referindo que a nova versão tem em conta as recomendações desta secção, nomeadamente “a integração dos vestígios arqueológicos” identificados e a “musealização das ruínas arqueológicas”.
Os organizadores do cordão humano fazem, porém, um amplo apelo a diferentes meios, dos arqueólogos aos académicos e trabalhadores da administração pública, associações de defesa do Património e cidadãos, para participarem na concentração em frente à Sé, como uma “ação simbólica”.
Esta manifestação pública “tem como objetivo a recusa do projeto (versão atual, 2.ª revisão, datada de setembro-outubro de 2021), e a exigência de uma nova revisão de projeto que contemple a preservação integral de todas as estruturas que ainda se conservam in situ”, assim como “a desistência, de uma vez por todas, da construção do piso menos 1, sob a ala sul do Claustro dionisino, e respetivos acessos”.
De acordo com os subscritores da convocatória, esta estrutura “tem elevados impactes destrutivos e, principalmente, (…) oculta o ímpar conjunto arqueológico, impossibilitando, drasticamente, a visualização de conjunto do edifício monumental islâmico”.
Deste modo, exigem “soluções de estrutura e estabilidade que garantam a estabilidade e segurança da Sé Catedral de Lisboa e do seu Claustro, de elevadíssimo valor patrimonial, e que, simultaneamente, não acarretem mais nenhuma afetação das estruturas arqueológicas e propiciem a sua boa visualização e leitura”.
Em março do ano passado, o parlamento aprovou sete projetos de resolução, apresentados por diferentes bancadas e deputados que, em geral, recomendam ao Governo a salvaguarda dos vestígios islâmicos encontrados nos claustros da Sé de Lisboa.
As críticas à intervenção na Sé de Lisboa têm sido constantes.
Em janeiro deste ano, num encontro organizado pelo Centro de História (CH-ULisboa), o Centro de Arqueologia (UNIARQ) da Universidade de Lisboa, e pelo Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO) da Câmara Municipal de Lisboa, historiadores e arqueólogos criticaram a intervenção da DGPC, que qualificaram como um “erro crasso”.
Os especialistas alertaram então para a necessidade de se proteger os vestígios arqueológicos encontrados, num espaço que apontaram como “de grande centralidade da Lisboa medieval”.
As então diretoras científicas do projeto, as arqueólogas Ana Gomes e Alexandra Gaspar, explicaram a importância dos diferentes vestígios encontrados, nomeadamente para o que pode ser um minarete de uma mesquita aljama.
Refira-se que as escavações efetuadas trouxeram à luz do dia estruturas romanas, islâmicas e cristãs medievais, posteriores à conquista da cidade, em 1147, nomeadamente vestígios de arruamentos, tanques, assim como uma mesquita aljama e um muro com ‘graffiti’ islâmicos medievais, que, segundo os contestatários do projeto, correm o risco de ser destruídos.
Em dezembro do ano passado, o presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), José Morais Arnaud, numa entrevista à agência Lusa, criticou a atuação da DGPC na requalificação do claustro da Sé de Lisboa, e alertou para o risco de destruição de património “raro”.
José Morais Arnaud disse que a DGPC, ao invés da sua missão de proteção do património, está a promover projetos arquitetónicos, criticando algumas soluções na Sé de Lisboa, como a “cripta arqueológica”, que implica a destruição de vestígios únicos, para a construção de uma escada em elipse e a colocação de um elevador e outros equipamentos.
“Qualquer intervenção que não englobe a proteção integral do património arqueológico encontrado no subsolo deste monumento nacional é uma destruição feita pelo próprio organismo que era suposto proteger esse património”, afirmou o arqueólogo
Para Arnaud, nesta intervenção nos claustros da Sé de Lisboa “não há clareza” e “é mais uma trapalhada da DGPC que ‘colocou o carro à frente dos bois’, ao promover um projeto de arquitetura que entra em conflito com os vestígios arqueológicos que era suposto valorizar, e que são o elo mais fraco”.
O Conselho Nacional de Cultura (CNC) defendeu a integração dos vestígios muçulmanos na Sé de Lisboa e solicitou alterações ao projeto de recuperação e valorização do monumento.
Em janeiro do ano passado, a Secção do Património Arquitetónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura, ouviu alguns especialistas sobre as ruínas descobertas na zona sul do claustro da Sé de Lisboa, que considerou relevantes, mesmo “que não exista evidência de que tais vestígios correspondam à mesquita aljama de Lisboa”, mas devem ser salvaguardados, lê-se no comunicado divulgado pela DGPC.
Já em outubro de 2020, o Governo decidira que os vestígios descobertos nas obras de requalificação e restauro do claustro da Sé de Lisboa, deviam ser mantidos no local.
“Face aos mais recentes achados arqueológicos, e tendo em conta o valor patrimonial das estruturas descobertas, o Ministério da Cultura decidiu, em diálogo com o Patriarcado de Lisboa”, que estes “devem ser conservados, musealizados e integrados no projeto de recuperação e musealização da Sé Patriarcal de Lisboa”, afirmou em comunicado o Ministério da Cultura, liderado então por Graça Fonseca.
As obras no claustro da Sé de Lisboa iniciaram-se na década de 1980, com as primeiras escavações, e uma das dificuldades do projeto foi a descoberta de sucessivas camadas arqueológicas que a análise estratigráfica não previra, recordou a DGPC em novembro do ano passado.
As obras são comparticipadas pela Conferência Episcopal Portuguesa, com quem o Ministério da Cultura assinou um acordo de cooperação em 2009, e contam com apoio europeu através do programa “Portugal 2020” – uma questão que está a ser revista pela Comissão de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, devido aos prazos já ultrapassados.
O recomeço das obras aconteceu no passado dia 28 de março, “visando a conclusão dos trabalhos arqueológicos inerentes à implementação da revisão do projeto de arquitetura e especialidades, aprovado pela Secção do Património Arqueológico e Arquitetónico do Conselho Nacional de Cultura”, disse à Lusa a assessoria de imprensa da DGPC.
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